Hoje eu preferi o silêncio.
Não liguei o rádio nem a TV,
Fiquei estirada pelos cômodos ausente de sons harmoniosos,
Preferi o barulho das folhas do jornal enquanto o lia,
O café na xícara branca enquanto esfriava,
Das palavras que ecoavam e evocavam pensamentos em minha cabeça.
Preferi os assaltos, tiros, novos governos sendo formados, sirenes da polícia carioca;
Shows, novas peças teatrais, lançamentos de livros;
Bombardeios, discursos de paz, discursos de guerra, cólera;
Novos prazos para os vestibulares fraudulentos, ministros e presidentes.
Preferi o som do papel jornalístico sendo jogado no sofá,
Dele sendo pisoteado pela minha cadela,
Do café sendo acabado pelos meus goles,
Pela cama desarrumada, pelo lençol azul e a fronha amarela.
Preferi ligar e desligar rapidamente o computador,
Era muito barulho para esse dia.
Prefiro o som das gotas da chuva de ontem que sobraram no telhado,
Do sol que vai e vem no céu nublado,
De algum estalo de algum eletrodoméstico,
Da energia elétrica passando por esses aparelhos.
Quero o som do meu reflexo no espelho,
Do meu cabelo sendo penteado,
Do esguicho do perfume em meu pescoço,
Da roupa escolhida vestindo meu corpo,
Do sapato e do colar,
Do batom e da maquiagem.
Iria querer uma música e um filme,
Uma novela e uma reportagem que visse meu dia
Que esquecesse das notícias e do sangue,
Dos acordos e das corrupções;
Que virasse a página do livro da minha cabeceira,
Que moldasse o sol em minha silhueta,
Que chovesse em meus sentimentos,
Que tomasse a minha voz,
Que arrumasse a minha cama.
Hoje o silêncio é meu comportamento,
É a minha harmonia e minha orquestra,
Meu desespero e minha alegria,
Minha tristeza e minha esperança.
É apenas o silêncio a minha manhã,
A minha espera calada,
A minha antecipação de pensamentos
É a minha vida deste dia.