A luz cadavérica incendiava a porcelana manchada de cafés passados. O ambiente exalava o odor da bebida coada e servida. A mesa estava um pouco suja e melada. Os dois estavam sentados um de frente para o outro. Ela na ponta do assento da cadeira mexia na borda da xícara, muda, evitando o olhar magoado e esquivo. Ele a olhava fixamente enquanto esquentava suas mãos envolta do café posto.
- Não vai tomar? – ele perguntou.
Ela não respondeu. Olhou desajeitada para a parede ao lado, murmurou palavras silenciosas e engoliu seu sentimento enquanto desviava seus olhos para os dele.
Sua barba por fazer, os olhos verdes destacados, o cabelo louro respingado de chuva, a camisa marrom desajeitada em seu pescoço.
- Vai esfriar – ele insistiu.
- Eu sei. Está muito quente ainda... – ela afirmou com um tom ligeiramente frio para a sua voz embargada.
Ele não mais falou. Resolveu beber seu café e deixar que o tempo esfriasse o dela. O que se passou foram alguns minutos de pura encenação de movimentos e sons desconexos: o garçom que ia e vinha das mesas, a TV ligada ao fundo, o ar abafado que amoleciam os ânimos, uma risada excessiva ao lado, o papel amassado da nota fiscal, a porta que abria e fechava, a cidade que gritava agoniada lá fora.
Ele terminara seus goles, deixando uma fina linha de líquido preto emoldurando o fim do copo.
Ela decidira parar de esculpir a porcelana branca com os dedos e, de um único gole, tomou sua primeira metade. Sem levantar os olhos, ela torceu os lábios, enrugou a testa e num misto de satisfação e resignação, disse:
- Esfriou. Essas coisas sempre esfriam rápido demais.
Então inclinou a cabeça postando seu olhar caído nele.
Ele continuava a observá-la imóvel, enquanto o amargo transpassava e ganhava gostos diferentes no paladar de cada um.