24 de dezembro de 2010

Então, um bom Natal

A maioria das coisas não duram no tempo, são perecíveis e passageiras. Às vezes, são passageiras demais. Como numa foto que registra o segundo parado no tempo, assim somos moldados conforme os dias, os meses e os anos que passam. Quando o sorriso é estancado ou uma lágrima é eternamente mantida molhada; seja um cabelo levado pelo vento, uma cor do céu, a chuva que atrapalhava a lente da câmera fotográfica, ou uma pose britanicamente feita para o registro da alegria familiar. O cotidiano e o extraordinário, o triste e alegre, o profundo ou o superficial; todos esses segundos petrificados em nossos olhos e em nossa memória.


É difícil passarmos uma data tão celebrada como o Natal, sem que não nos lembremos do Natal passado, da roupa que vestimos, da quantidade de sorrisos e, por ora, lágrimas que derramamos nos minutos; um sapato, um prato, um tempero, um embrulho, um presente, um grito de alegria ou de morte.

E usar frases de efeito como “mais um Natal chegou, e o quê você fez?” ou “Vamos fazer juntos?”, seja de algum modo retórico e repetitivo; entretanto, paramos e prestigiamos a repetição em todos os fins de calendário, repetimos os abraços e os beijos, os agradecimentos e a embriaguez. Somos a eterna repetição de diferenças contrárias e certas, simples e complexas.


E para que dizer tudo isso? Só para deixar registrado mais uma repetição, mais um segundo estancado na memória e em nossas vivencias pessoais e coletivas. Para que celebrar? Não sei, mas é uma forma de encontrar refúgio e silêncio de todas as nossas atitudes, num repente musical de forma quieta e estrondosa, ao mesmo tempo.

E dizer que o mundo é injusto, não sei. Será mesmo? É duro aguentar lamúrias e solidariedade sob a máscara vermelha do papai Noel ou mesmo de um salvador. Ouvi de muitas pessoas de diferentes idades, ideologias e profissões que esse ano foi um ano difícil e conturbado. Concordo, nem o tempo nos deixou para trás nesse quesito. Vivemos sob o inverno dourado do verão e o outono florido da primavera em quatro tempos de um mesmo dia; sofremos com a Copa e com as eleições, com as mudanças repentinas de situação e de humor. É generalizante, mas não deixa de ser mais uma repetição de tudo de antes, de todos os anos passados, de toda a estática posada para o fotógrafo ali na nossa frente.


Acho que esse fotógrafo pode ser nós mesmos ou outra pessoa desconhecida. Seja um cd esquecido na gaveta ou um livro amarelado na estante, um filme visto por muitas vezes, uma mesma melodia cantarolada inúmeras vezes pelo inconsciente; seja as mesmas exclamações ditas numa briga ou as palavras não escutadas de um conselho, os brindes por coisas pequenas e as grandes comemorações assistidas pelos familiares; seja a solidão fria das ruas ou o leito incômodo dos hospitais, a cruz das igrejas e as mãos cruzadas dos tiranos; as cartas e os e-mails; as quebras e as uniões, as despedidas e os encontros; a folha que cai e a flor que nasce, o revólver que dispara uma vida ou uma vida que é disparada por uma arma; as doenças e as curas, de todas as ligações e inquietações, festas e aborrecimentos, azulejos e espelhos, gravatas e saias, canetas e pontos finais.


De tudo isso só resta uma coisa: a repetição aguda e crônica de uma doença sem cura e que, por muito improviso, evolui por espaços nulos e vazios, por segundos essencialmente diferentes, do clic final e inicial que trás vida a uma fotografia movimentada.

Então, um bom Natal.

24 de novembro de 2010

Café com leite

Hoje eu preferi o silêncio.

Não liguei o rádio nem a TV,

Fiquei estirada pelos cômodos ausente de sons harmoniosos,

Preferi o barulho das folhas do jornal enquanto o lia,

O café na xícara branca enquanto esfriava,

Das palavras que ecoavam e evocavam pensamentos em minha cabeça.


Preferi os assaltos, tiros, novos governos sendo formados, sirenes da polícia carioca;

Shows, novas peças teatrais, lançamentos de livros;

Bombardeios, discursos de paz, discursos de guerra, cólera;

Novos prazos para os vestibulares fraudulentos, ministros e presidentes.


Preferi o som do papel jornalístico sendo jogado no sofá,

Dele sendo pisoteado pela minha cadela,

Do café sendo acabado pelos meus goles,

Pela cama desarrumada, pelo lençol azul e a fronha amarela.


Preferi ligar e desligar rapidamente o computador,

Era muito barulho para esse dia.

Prefiro o som das gotas da chuva de ontem que sobraram no telhado,

Do sol que vai e vem no céu nublado,

De algum estalo de algum eletrodoméstico,

Da energia elétrica passando por esses aparelhos.


Quero o som do meu reflexo no espelho,

Do meu cabelo sendo penteado,

Do esguicho do perfume em meu pescoço,

Da roupa escolhida vestindo meu corpo,

Do sapato e do colar,

Do batom e da maquiagem.


Iria querer uma música e um filme,

Uma novela e uma reportagem que visse meu dia

Que esquecesse das notícias e do sangue,

Dos acordos e das corrupções;

Que virasse a página do livro da minha cabeceira,

Que moldasse o sol em minha silhueta,

Que chovesse em meus sentimentos,

Que tomasse a minha voz,

Que arrumasse a minha cama.


Hoje o silêncio é meu comportamento,

É a minha harmonia e minha orquestra,

Meu desespero e minha alegria,

Minha tristeza e minha esperança.


É apenas o silêncio a minha manhã,

A minha espera calada,

A minha antecipação de pensamentos

É a minha vida deste dia.

20 de outubro de 2010

Faca na caveira

“O ser humano é uma dificuldade.” Foi com essa frase que comecei o meu domingo a caminho do cinema. Uma garoa fria caia sobre os trilhos do trem quando o senhor na minha frente disparou essa afirmação tão incômoda e sintética.


Tropa de Elite 2 é melhor que o primeiro filme, não apenas por contar com uma direção mais apurada, um roteiro mais intrínseco e uma produção grandiosa e sim, porque o filme trouxe um movimento e uma energia a mais para a população. A verdade é que a “dificuldade” humana foi retratada com maestria por José Padilha e pela grande dramaticidade do elenco.


No primeiro filme o então, Capitão Nascimento, narrava a vida do tráfico e do combate a ele, dos trâmites da polícia corrupta e da honesta, do duelo de lidar com o trabalho e a vida íntima e familiar. Em Tropa de Elite 1, sentimos o fervor da violência e da irracionalidade de certos intelectuais que não conseguem enxergar amplamente a realidade. O vigiar e punir de Foucault é abordado e serve de bordão para os tapas na cara, os gritos e as torturas com sacos plásticos. No segundo filme encontramos o inverso, o Capitão se faz Coronel, e Nascimento renasce e se constrói como heroi que tem que entender seu papel na sociedade, entender a complexidade do “sistema”, aceitar seus erros e encarar de vez a fatalidade e a missão do vigiar e punir.


O antigo Nascimento é um anti-heroi, Capitão de uma polícia violenta, mas que sobe o morro para resolver os problemas; ele é o anti-heroi heroi da sociedade, porque transfere para suas atitudes e palavras o nosso desespero pela impunidade do tráfico, pelas mortes e consequências que as drogas e seu mercado ilegal imprime na população. Pela morte, Nascimento trás a justiça e a tranquilidade, mesmo que seja para garantir o sono do Papa.

Uma das grandes críticas que se fez na época do lançamento do primeiro Tropa, foi justamente a ineficiência de uma polícia, mesmo que honesta, quando o Estado não garante a sobrevivência digna da população, quando o poder não investe em saúde, educação, saneamento e segurança. Qualquer polícia ou forma de repressão não contêm sozinha o mal, as mortes, os tiros e as torturas de estudantes com consciência social, apenas agrava mais a dificuldade de conseguir encontrar o fio condutor ou, senão, os vários fios condutores que geram os traficantes, a corrupção de milícias e a violência amplamente difundida nas cidades.


No segundo Tropa, o Coronel Nascimento tem de se reconstruir quando percebe que seu passado já não é mais válido para a realidade em que vive. Os inimigos aparecem, mas o verdadeiro inimigo não é revelado tão facilmente. O personagem renasce e se torna mais maduro, percebe as falhas de um governo cheio de buracos de corrupção e manipulação, onde tudo pende para um lado, para uma polarização do poder.


A verdade parceiro, é que a vida humana é causa, finalidade e meio da dificuldade; somos moldados, corrompidos e lapidados pela complexidade do efeito humano de viver, das sociedades, da impregnação da cultura em nossos hábitos e costumes. O caos de nossas vidas e o mergulho no incompreensível nos torna homens sociais e, a falta de uma visão mais ampla e dinâmica dos movimentos e interações que acontecem a nossa volta, só pode ser consequência desse sistema de "dificuldades" que produzimos diariamente.


É isso que o filme, em seu caráter mais geral, aborda: o circuito ininterrupto de informações, acordos, desacordos, manipulações, infiltrações, grampos, tiros pela culatra, mortes de inocentes, votos, politicagem, “bandidagem”, quadrilhas, poder, vozes e caminhos.


O caminho de Nascimento é a sombra eficiente de uma tragédia de Shakespeare, ele se move rumo ao objetivo de enfrentar o "sistema" de frente e perde parte de sua intimidade; é o heroi que engloba o grito da sociedade em chamas de vingança pela falta de justiça e ética. A pessoalidade da luta toma tons azulados e frios, a música torna-se mais tensa, os tiros e socos mais avermelhados, mas o heroi caído continua em seu ser, golpeando a corrupção, os xingamentos, as compras de votos e os políticos de gravata amarela que sorriem sem parar frente às lentes da mídia.


A sombra heroica de Nascimento nos entorpece quando vemos em seu rosto de expressão marcante, em seus cabelos grisalhos e em seu olhar caído e profundo a maquiagem da realidade, que disfarçada nos transgride na dificuldade de a entendermos. Ele é o corpo individual representando a sociedade como um todo e, quando assistimos o real diante de nossos olhos sem censuras e borrões, nos confundimos ainda mais pela incapacidade de lutar contra o grande monstro do Estado corruptível.


A desilusão perpassa por nossos pensamentos e ânimos, nos obriga a lembrar de casos esquecidos e jamais resolvidos, nos lembramos de CPIs e mensalões, de balas perdidas que matam nossos filhos, pais, irmãos e colegas, que nos leva invariavelmente para as alamedas do vício e das drogas.


Nossos olhos caem e se escurecem assim como a expressão de Nascimento, nossa postura se encurva com o peso do desânimo e da irresponsabilidade de nosso sistema político empoeirado e enlameado, nos esforçamos para dar o nó na gravata e engolir a seco os nós de ira e tristeza diante da realidade imatura e dura de nosso país.


O fim do filme nos leva para o sonho cinematográfico de realizar coisas irrealizáveis: José Padilha prende políticos corruptos, faz uma limpeza política no Senado, dá voz aos injustiçados e coloca o Estado como deve ser: limpo, claro, justo e ético. Por mais que duras críticas pesaram sobre esse desfecho, não acredito que foi ingenuidade e generalidade com o fim do filme; acredito mais, que Padilha honrou com a missão do cinema e de qualquer expressão artística: trazer a esperança e levar um movimento de reflexão e consciência para todos os espectadores.


Diante da esperança filmada e reiterada num sucesso de bilheteria com poucos dias de exibição, a bandeira brasileira continua enrolada sobre seu próprio mastro esperando as vozes silenciosas que irão rondar o novo governo, o seu verde e amarelo se esconde tímido e envergonhado de levar a cor da mentira e do roubo para o alto dos céus, ela se emudece diante da sociedade que caminha apressadamente abaixo de sua sombra emoldurada pelo sol escaldante e ardido da miséria, da fome, da falta de educação e saúde e de leis dignas de seres humanos, mesmo que sejam seres humanos dificultosos.


E falar de bandeira sem falar da bandeira do Bope seria um certa injustiça. Que a faca esquarteje a caveira do corpo político do Brasil, que os fuzis e pistolas sangrem as injustiças de todos os órgãos e instituições depravadas e deturpadas pela mentira e pela indignidade de homens tiranos, que as torturas de sacos plásticos asfixiem a consciência perversa e escrota do “sistema”, que os cabos de vassoura empalem os políticos e candidatos que esmiúçam suas palavras diante de palanques e refletores incrédulos e surdos quanto ao sofrimento das pessoas.


Faca na caveira do planalto, do senado, das prefeituras, dos policiais corruptos, dos traficantes e de todos que contribuem e movimentam a política e a justiça desse país em forma de molecagem e de cobiça ridícula. Que possamos vestir de uma vez por todas a farda preta da mudança e da dignidade em nosso Brasil, e que a bandeira verde e amarela não precise mais se esconder em seu mastro.






12 de outubro de 2010

Sem sessão agradabilíssima

Em teoria teríamos um Brasil feito de ordem e progresso, uma rede de transportes bem planejada e distribuída pelos estados, serviços públicos eficientes, presidentes que cumprissem com parte de suas palavras proferidas em gigantescos discursos. Teríamos também, educação para todos, uma rede de hospitais e de assistência a saúde que atendesse a toda a população, uma reforma política e tributária; teríamos um país pautado na justiça e no cumprimento das leis. Teríamos pessoas amáveis no trânsito, menos radares espalhados pelas rodovias, menos (ou nenhuma) enchente, assaltos nos faróis e nem falta de ingresso nos cinemas.


Infelizmente a utopia da teoria não existe nesse mundo e é um desalento sabermos que nunca ou muito dificilmente, estaremos numa posição ideal de realização de todos os desejos, objetivos, melhorias de vida e dos cinemas.

Na primeira semana de exibição do filme Tropa de Elite 2, o meu espanto foi imenso, minha raiva foi imensa (por não conseguir um ingresso porque todos já estavam vendidos) e minha alegria foi imensa também. Há dez anos não poderíamos imaginar que um filme nacional pudesse fazer tanto sucesso e desbancar a tal maravilha cinematográfica norteamericana. O espanto que senti foi um pouco calculado, era claro que iria lotar todos os cinemas do Brasil e a alegria foi por conta desse sucesso. A descrença que temos das coisas nacionais, em partes, nos torna céticos sem discernimento, nos fecha e nos molda de falsos sentimentos e nos tira a oportunidade de entender e vislumbrar o que está perto de nós, o que é feito de nossa pátria e de nossa cultura.


Graciosamente, temos um progresso e uma ordem quando as salas de cinema lotam e aplaudem um filme feito aqui em nosso país, nos mostrando que o idealismo teórico pode não ser impossível de acontecer.

Deslizantemente nos falta muito em outras áreas: a política anda um caos, há contradições nas pesquisas de intenção de voto, nos debates eleitorais, na posição que os marqueteiros tomam para seus candidatos e as próprias palavras ditas na imprensa, nas boatarias, na televisão, rádio e nas ruas e becos por aí. A teoria se distancia da realidade e essa distância dialética e comunicativa que deveria fazer as duas terem sentidos e se complementarem se desfaz no olhar desacreditado da população. Pode ser uma diferente postura adotada pelo novo eleitor, uma tomada de consciência ou a simples e pura alienação. Essa alienação que te prende na confusão e na difusão inflamada e volumosa dos fatos e dados, a falta de percepção e de orientação dentro de tantas opiniões e chantagens, e o muito isolamento que a vida moderna nos trás: ora nos dando ordem e progresso, ora nos assombrando de desordem e “desprogresso”.


A distância ilusória entre a teoria e a realidade transforma-se num vale invisível em que é difícil saber a verdade, a relatividade da verdade e a falsidade da verdade. Qual a validade dos livros então? Dos teóricos? Dos cientistas? Dos intelectuais? Dos pesquisadores? Dos estudantes?

A reposta não deve ser única, mas deve pesar em conta que não faria sentido desprover o homem, ou melhor, o ser humano de sua intuição natural criativa; ou seja, não faria sentido tirar do pesquisador a sua curiosidade de estudar as plantas da Amazônia, nem ao menos tirar a voz da imprensa, nem mesmo desprover a criança de educação que lhe dá meios para desenvolver seu cérebro apto para a inteligência e criação. No fundo, tirar a teoria e apenas viver da realidade nua e crua faz desmantelar a esperança de entender como seria o mundo em teoria, de fazer o possível para desenvolver tecnologia para chegarmos a um bem estar ideal, de desesperançar todos a unir o complemento humano teoria-realidade. A esperança de fazer um ideal-teoria com uma potência intrínseca de se transformar em realidade.


O segundo turno para presidente provou que o poder está nas mãos do povo, ou melhor, que a poder simbólico e concreto está em uma das mãos da Igreja, das religiões. É incrível ver a apelação sensacionalista que as campanhas de Dilma e Serra proferem diariamente aos quatro cantos da mídia. A apologia à vida nunca esteve tão em moda. Nunca na história desse país enxergaríamos, como percebemos hoje, a dependência entre o governo laico e o governo religioso. O que assume dois nomes em outras nações, aqui se confunde, mistura-se, nos entorpece e mostra claramente, que a Igreja e as tantas instituições religiosas são um ponto magnético e cumulativo de votos, que o papa ainda tem o poder sobre a cabeça do rei, e que a população leva em consideração a opinião da batina sobre o futuro presidente.


As contradições, contaminações, especulações e enganações continuarão. A incompreensão e a alienação também. A pessoa individual se mistura a multidão, se corrompe no asfalto e dele sobrevive. A visão do futuro se lambuza com o amarelar do passado, o presente passa veloz diante de nós, mas a fotografia capta o presente sem passado e sem futuro. Uma sessão a mais de votações num domingo próximo, sem sessões para alguns nos cinemas. Urnas unindo milhões de votos em duas vertentes, a película que gira numa velocidade a transformar fotografia em filme e uma multidão que observa e se emociona com uma realidade fictícia.

2 de outubro de 2010

Aperte a tecla CONFIRMA

Diversas são as cores do Brasil: verde, amarelo, azul, branco, preto, lilás, laranja, vermelho, entre outras. Muitas características possuem o povo brasileiro: caucasianos, pardos, pretos, indígenas, altos, baixos, medianos, de cabelo liso, encaracolado, crespo, de olhos puxados, olhos grandes e pequenos. E muitas são as opiniões. Nesse emaranhado de pássaros, estrelas, ecologia e discursos ensolarados chegamos ao dia da eleição, depois de meses de campanha eleitoral, de risos de deboche de certos candidatos e de fé em outros.


No decorrer dessa semana me deparei diante de muitas frases, exaltações e palavrões. Com a eleição cada vez mais próxima os ânimos se exaltaram enormemente: uns bradavam ferozes sobre as vantagens dos candidatos afins, outros se preocupavam em fazer o colega desistir de seu voto e votar em outra pessoa, alguns reclamavam e falavam mal uns dos outros e, uma pequena grande parcela dessa população descrita, irritava-se com a palavra política e se tomava como neutro e odioso dessa prática tão humana que é a opinião pública e política.


Deixando o despotismo e a tirania de alguns de lado, é importante tomarmos consciência do nosso dúbio caráter humano; ou seja, temos o nosso lado passional e individual, de aspirações e desejos particulares e, um outro lado político (sim é essa a palavra realmente que nos distingue como homem em uma sociedade). O nosso lado cidadão e político deve ter em mente as responsabilidades mútuas e comuns que temos uns com os outros, temos que entender dos nossos atos como reflexo do todo, do geral e mais, temos que começar a agir nas medidas necessárias e possíveis dentro de nossos termos e lares.


Sobre as frases surpreendentes que escutei durante a semana, aí estão algumas: “o povo é ignorante, um bando de gente que não pensa e dá nisso que está o Brasil”, “eu estou me mantendo neutro nisso, só voto porque sou obrigado”, “vou ser fiscal no dia da eleição, mas não vou denunciar se ver meu partido fazendo boca de urna, não”, “vou procurar saber se esse ano terá boca de urna, assim ganho uns trocados”. São sentenças que se não forem ignorantes, são horripilantes. Daria uma boa manchete de jornal como o novo escândalo da população brasileira, a nova corrupção no Senado do cotidiano, propinas e reais sujos e injustos na carteira de cada cidadão que pensa que a responsabilidade e o destino do Brasil estão apenas nas mãos do presidente, dos senadores, deputados, prefeitos e vereadores dessa nação gigante.


É interessante verificar a desonra e falta de garantia que certas pessoas tem consigo mesmas ao dizer que todos os outros são corruptos e, nem ao menos, olhar para o seu rastro enlameado que deixa quando anda pelas calçadas. Não quero ser nenhuma demagoga e de falsa aparência, só afirmo que não é justo reclamarmos de algo quando nós mesmos fazemos aquilo, mesmo que afete muito menos pessoas do que quando o presidente aumenta os preços dos alimentos, por exemplo. Digo que as ações se assemelham e, por fim, são as mesmas. A quantidade pode ser diferente, mas a essência é a mesma: roubo, mentira, injustiça são as mesmas palavras e atitudes, independente do contexto e do número de pessoas afetadas.


É importante assumirmos de uma vez por todas as nossas responsabilidades e o nosso poder diante da sociedade, diante de nossos familiares e diante dos nossos políticos e, também, não nos esquecermos de que temos todo o direito de reclamar e de nos injuriar com os nossos representantes; afinal, não moramos numa nação encantada de direito e justiça e muito menos nos abrigamos sob uma pátria acolhedora de saúde, alimentação e habitação dignas de seres sociais. Novamente, não estou aqui defendendo um lado mais que o outro e sei também, um pouco da situação dos quatro cantos do Brasil, mas quero alertar para a nossa dupla jornada de sermos cidadãos, em que de um lado cumprimos com o nosso dever de respeitar as leis e eles, lá do Olimpo do senado, olhem por nós com a mesma responsabilidade de estarem abaixo das leis como nós e, com a suma ocupação de zelar pelo nosso bem comum e pela garantia de nossas vidas.


No início dessa semana o jornal O Estado de São Paulo divulgou em editorial sobre sua não neutralidade em confirmar apoio à campanha do candidato José Serra. Foi curiosa e coerente a atitude do jornal, após inúmeras críticas que Lula vinha fazendo a imprensa e, demonstra a iniciativa e, de certo modo, a transparência que o Estadão teve com seus leitores. Ao dizer que adquire uma opção, que defende um lado, os jornalistas e colunistas se responsabilizaram de uma vez com as suas opiniões, tomando partido e o partido. Tal postura deveria ser adotada por todos os meios de comunicação que visam a uma falsa neutralidade que não existe em qualquer lugar desse mundo. Sempre estamos de um lado e não de outro e o meio disso tudo só diz respeito a uma coisa: indecisão, falta de opinião e de participação.


Amanhã, quando formos votar, que tomemos a decisão não imparcial, que assumamos nossas responsabilidades e opiniões e que consigamos afastar todos os mosquitos de incoerência, injustiça e corrupção mental e de caráter de nossos caminhos.

Num Brasil de tucanos, sustentabilidade e estrelas, a política toma uma cor vibrante e se molda pela fé de quem as faz. É no acreditar e no aceitar o nosso país de hoje que poderemos construir algo do futuro e não apenas resmungando e conspirando contra o juízo legislativo que molda nosso caráter social e moral de cidadãos brasileiros.

23 de setembro de 2010

A apologia do bem

É fácil notar a conturbação e a esquizofrenia que o clima está vivenciando nos últimos meses. Assim como somos inteiramente parte da natureza e tentamos a todo o tempo controlá-la da melhor (e da pior) forma, não seria estranho reforçar a ideia de que exista uma força intrinsecamente mística dela sobre os humanos. Brincadeiras místicas a parte, a ligação é natural e legítima e é o que faz sermos o que somos: matéria e pensamento, logos, razão.


O tempo realmente anda esquisito: amanhece com sol, o almoço é antecipado por nuvens escuras, à tarde temos uma leve garoa e a noite o frio lancinante nos envolve com roupas de verão e, totalmente despreparados somos surpreendidos por gripes e resfriados.


Deixando a meteorologia de lado, mas fazendo uma comparação pertinente ao nosso paradigma eleitoral, é fácil ver a esquizofrenia e a confusão mental e ética que rondam os candidatos eleitorais e os nossos representantes máximos do governo. Escândalos de corrupção e de formação de política familiar no Senado, presidente que se esquece de seu cargo e vira apenas militante político, candidata à presidência que lidera as pesquisas e que prefere se manter neutra numa situação em que não é admitida como sabia tal atitude.


Parece que os ventos estão mais fortes e menos refrescantes. Somos diariamente surpreendidos por uma frente fria repentina vinda de todos os cantos do Brasil, do Oiapoque ao Chuí.


Infelizmente a situação política atual do país só reflete a contradição e a nossa incompreensão diante de tudo, a falta de um pulso forte e bem ordenado que ponha lei e ordem na casa faz com que qualquer estrutura viável se desmorone.


A dez dias das eleições continuamos sem saber o que pensar e em quem votar, acabamos desanimadoramente, votando em ninguém, anulando o voto.


Lula esqueceu-se de seu posto de presidente da república e prefere voltar a ser o Lulinha sindicalista, lutando bravamente pelos seus ideais e pela sua candidata rubra; esta se queixa e se diz não fazer parte de nenhum escândalo, a posição neutra é o seu dilema dos últimos acontecimentos; Serra e Marina, por ora falam de uma proposta governamental e outra, mas preferem costurar incessantemente o tecido de acusações contra os que ganham; e mais uma vez tomamos conhecimento de cartéis familiares que dominam o Planalto, enfraquecendo e desmoralizando as leis e o poder ético e político.

Os ventos estão fortes mesmo e solapam a credibilidade e um pouco da esperança dos dias dourados de sol.


Enquanto alguns se mantêm invariáveis e céticos, a Bienal Internacional de Arte toma cor esse fim de semana com a sua inauguração, e seu tema não poderia ser outro: arte e política. Além do Senado, outra polêmica se avizinhou na mídia que foi o caso do conjunto de obras de Gil Vicente em que o próprio autor é retratado matando diversas figuras políticas nacionais e internacionais. Logo, as autoridades jurídicas se manifestaram contra as obras do artista exclamando que as retratações seria “uma apologia a violência”. A pergunta que se molda diante dessa declaração é: não seria a arte e a política, justamente, um ato violento? Digo violento não no sentido cruel e impiedoso da palavra, mas sim na intenção de ver forças contrárias se digladiando, de compreender as diversas opções contraditórias que se chocam mutuamente sem se aniquilarem. Diria que essa violência que Vicente expressa não é nada mais que a própria política e a arte: a pura manifestação de opostos, a pura provocação artística a fim de modificar e haurir um novo pensar dos habitantes dessa terra, a pura briga e discussão democrática que se deita na liberdade de nossa pátria.


A distensão de tantas informações que nos ludibriam a todo instante mais se parece com o vento gelado que nos assombra no meio da tarde. O clima se revolta e se enche de energia sonora e de atitude democrática e protestante (não no sentido religioso, e sim do ato de protestar), a arte mais uma vez toma movimento, publica e revigora a essência política: a violência. A violência na manifestação de idéias contrárias, da livre interação e discussão entre pessoas e instituições, da provocação essencial artística que esses artistas estão dispostos a nos forçar a ter em mente; e mais, o reflexo da violência da falta de política ética que nossos dirigentes fingem não estar cientes, da falta de maturidade como chefe de um governo frente as tempestuosas corrupções e assaltos sensacionalistas que a mídia retrata, a falta de poder puro e de punho firme a fim de ter a violência em suas mãos como modo de fazer o bem comum.