12 de outubro de 2010

Sem sessão agradabilíssima

Em teoria teríamos um Brasil feito de ordem e progresso, uma rede de transportes bem planejada e distribuída pelos estados, serviços públicos eficientes, presidentes que cumprissem com parte de suas palavras proferidas em gigantescos discursos. Teríamos também, educação para todos, uma rede de hospitais e de assistência a saúde que atendesse a toda a população, uma reforma política e tributária; teríamos um país pautado na justiça e no cumprimento das leis. Teríamos pessoas amáveis no trânsito, menos radares espalhados pelas rodovias, menos (ou nenhuma) enchente, assaltos nos faróis e nem falta de ingresso nos cinemas.


Infelizmente a utopia da teoria não existe nesse mundo e é um desalento sabermos que nunca ou muito dificilmente, estaremos numa posição ideal de realização de todos os desejos, objetivos, melhorias de vida e dos cinemas.

Na primeira semana de exibição do filme Tropa de Elite 2, o meu espanto foi imenso, minha raiva foi imensa (por não conseguir um ingresso porque todos já estavam vendidos) e minha alegria foi imensa também. Há dez anos não poderíamos imaginar que um filme nacional pudesse fazer tanto sucesso e desbancar a tal maravilha cinematográfica norteamericana. O espanto que senti foi um pouco calculado, era claro que iria lotar todos os cinemas do Brasil e a alegria foi por conta desse sucesso. A descrença que temos das coisas nacionais, em partes, nos torna céticos sem discernimento, nos fecha e nos molda de falsos sentimentos e nos tira a oportunidade de entender e vislumbrar o que está perto de nós, o que é feito de nossa pátria e de nossa cultura.


Graciosamente, temos um progresso e uma ordem quando as salas de cinema lotam e aplaudem um filme feito aqui em nosso país, nos mostrando que o idealismo teórico pode não ser impossível de acontecer.

Deslizantemente nos falta muito em outras áreas: a política anda um caos, há contradições nas pesquisas de intenção de voto, nos debates eleitorais, na posição que os marqueteiros tomam para seus candidatos e as próprias palavras ditas na imprensa, nas boatarias, na televisão, rádio e nas ruas e becos por aí. A teoria se distancia da realidade e essa distância dialética e comunicativa que deveria fazer as duas terem sentidos e se complementarem se desfaz no olhar desacreditado da população. Pode ser uma diferente postura adotada pelo novo eleitor, uma tomada de consciência ou a simples e pura alienação. Essa alienação que te prende na confusão e na difusão inflamada e volumosa dos fatos e dados, a falta de percepção e de orientação dentro de tantas opiniões e chantagens, e o muito isolamento que a vida moderna nos trás: ora nos dando ordem e progresso, ora nos assombrando de desordem e “desprogresso”.


A distância ilusória entre a teoria e a realidade transforma-se num vale invisível em que é difícil saber a verdade, a relatividade da verdade e a falsidade da verdade. Qual a validade dos livros então? Dos teóricos? Dos cientistas? Dos intelectuais? Dos pesquisadores? Dos estudantes?

A reposta não deve ser única, mas deve pesar em conta que não faria sentido desprover o homem, ou melhor, o ser humano de sua intuição natural criativa; ou seja, não faria sentido tirar do pesquisador a sua curiosidade de estudar as plantas da Amazônia, nem ao menos tirar a voz da imprensa, nem mesmo desprover a criança de educação que lhe dá meios para desenvolver seu cérebro apto para a inteligência e criação. No fundo, tirar a teoria e apenas viver da realidade nua e crua faz desmantelar a esperança de entender como seria o mundo em teoria, de fazer o possível para desenvolver tecnologia para chegarmos a um bem estar ideal, de desesperançar todos a unir o complemento humano teoria-realidade. A esperança de fazer um ideal-teoria com uma potência intrínseca de se transformar em realidade.


O segundo turno para presidente provou que o poder está nas mãos do povo, ou melhor, que a poder simbólico e concreto está em uma das mãos da Igreja, das religiões. É incrível ver a apelação sensacionalista que as campanhas de Dilma e Serra proferem diariamente aos quatro cantos da mídia. A apologia à vida nunca esteve tão em moda. Nunca na história desse país enxergaríamos, como percebemos hoje, a dependência entre o governo laico e o governo religioso. O que assume dois nomes em outras nações, aqui se confunde, mistura-se, nos entorpece e mostra claramente, que a Igreja e as tantas instituições religiosas são um ponto magnético e cumulativo de votos, que o papa ainda tem o poder sobre a cabeça do rei, e que a população leva em consideração a opinião da batina sobre o futuro presidente.


As contradições, contaminações, especulações e enganações continuarão. A incompreensão e a alienação também. A pessoa individual se mistura a multidão, se corrompe no asfalto e dele sobrevive. A visão do futuro se lambuza com o amarelar do passado, o presente passa veloz diante de nós, mas a fotografia capta o presente sem passado e sem futuro. Uma sessão a mais de votações num domingo próximo, sem sessões para alguns nos cinemas. Urnas unindo milhões de votos em duas vertentes, a película que gira numa velocidade a transformar fotografia em filme e uma multidão que observa e se emociona com uma realidade fictícia.

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