23 de setembro de 2011

As sombras das paredes

Esse rosto não é meu. O semblante do qual deposito meus olhos caídos não é meu. A minha cara desfaleceu num murcho sorriso. Nem minha tez pálida me pertence. O olhar que caminhava por todos os lados, encontrando qualquer minúcia nas paredes das ruas, agora, encontra-se enterrado nas órbitas, quase sem vida. Eles caminham em direção a um horizonte escondido pelo vento, pela cinzenta tarde, pelos transeuntes coloridos. Minhas pernas doem de ter de subir a ladeira, o tempo corrido as faz reclamar do ardor que é contrastado pelo úmido do dia.


Nem o meu andar me pertence. Os sapatos que calço batem pelo cascalho sozinhos, levando-me a um lugar perdido. As minhas mãos acompanham o ritmado do meu corpo quente desferindo golpes militares no vazio. Acorrento a minha beleza na estupidez daquele rosto de outrem. Perco-me nos sons da cidade, nas buzinas, nas palavras soltas, no silêncio dos semáforos vermelhos.


Reflito-me no espelho da loja de sorvetes, vejo minha caricatura rosada pela meia luz do fim da tarde. Transmuto-me mil vezes em algozes e personas, sorrio como um ator e choro como uma criança que se arrepende. Clamo quatro pares de sonetos e declamo a mais lúgubre das poesias. Suicido-me em vãs maquiagens derretidas, brindo com a taça rubi o meu fel. No copo de bar tilinta a brancura de minha máscara, emoldura o meu rosto sem rosto.


Não me sinto bem. O suor que ronda meu corpo faz com que minhas roupas se apertem sobre mim, assim como um grito de raiva. O frio me torna mais gelada, mas o suor invade as minhas têmporas e axilas. Essa digressão me assola e sinto-me como um espetáculo numa plateia de carros.


Por onde passo vejo o meu rosto que não é mais eu. Por onde respiro sinto que permeio alhures o meu bem estar. Por onde me deito amotino-me em tenros tecidos de encanto. Por onde falo a minha rouquidão canta em eco a sua partida.


Talvez seja esse o meu semblante, a expressão da indiferença. Onde quer que eu vá, seja na multidão ou na metafísica, no sol ou na lâmpada, tudo pode me faltar, mas nada me é indiferente. Nada passa-me pela indiferença, tudo me é diferente. Tudo me sofre em não ver a diferença. Talvez continue sendo este o meu eterno pesar, a minha tez pálida, o batom ressecado nas minhas palavras e toda essa minha indiferença.


NathalyaG

São Caetano do Sul. 22/09/2011 - 17:40
lhar que caminhava por todos os lados, encontrando qualquer min

7 de setembro de 2011

Desconexões

O dia da pátria, numa analogia simplista, não tinha o céu, o verde e o sol de nossa querida bandeira. O céu, assim como o sol, aparecera naquela manhã como uma névoa clara, imprimindo uma sonolência maior a quem quisesse pensar em sair de casa. Não havia, tampouco, aquele verde-bandeira – com o perdão do trocadilho – nas árvores, pois os ventos gelados do inverno teimavam em não se dissipar.


Em algum lugar nas principais capitais do país acontecia uma manifestação nacional contra a corrupção, os “novos caras pintadas” que usariam tintas nos rostos com cores bem mais vistosas do que o própria clima teimava em me mostrar pela janela do trem. Poderia estar na manifestação, mas fui avisada de última hora. Decidi, então, por andar pelos vagões vazios da CPTM até a cidade vizinha para assistir a uma comédia romântica, que de quebra é brasileira.


Fui sozinha. Gosto de ir ao cinema sozinha, já que nenhuma companhia parecia querer assistir ao tal filme ou se desprender de um dia de folga para colocar as obrigações em dia. É... Na minha cidade também não tem cinema; ou nos deslocamos para outros lugares ou esperamos o filme chegar até as prateleiras de uma locadora ou nas mãos do ambulante que fica perto da rodoviária.


“O Homem do Futuro” foi o filme escolhido, dirigido por Cláudio Torres. Ao contrário do que os fuxicos dizem por aí é um filme bom, divertido e que te prende até o fim, com uma direção agradável e atuações que não dispensam risos constantes. Fica a dica para o fim de feriado e para o fim de semana que se aproxima mais rápido que o habitual.


Nesses dias de pátria amada me sinto fortemente inclinada aos desejos de inspiração a escrever e nem me dou por conta que, quase instintivamente, escolhi uma blusa verde para vestir, justo no dia do nosso Brasil.


Termino por juntar todos esses parágrafos desconexos que construí acima: num feriado que decreta a liberdade de nossa querida aristocracia – perdão! – democracia, lembro-me de uma peça teatral que assisti semana passada, “A casa amarela” com Gero Camilo, que em meio ao seu monólogo, o hino nacional era cantado por uma voz feminina. Essa voz com forte sotaque nordestino que, agora, avizinha os meus pensamentos, encantava as carrancas de todos aqueles sentados à minha frente no trem, ia ao ritmo dos passos no shopping lotado e dançava no vento junto com a bandeira verde e amarela que sorri hasteada ao sol sem graça do 7 de setembro de 2011. Aquela voz que diz: “dos filhos deste solo és mãe gentil, Pátria amada, Brasil.”.

3 de setembro de 2011

Encenação

Você é a minha prisão,

É você a calma em alma,

A cama de espinhos,

A cura de lama.


Os olhos negros

Que não podem ser vistos,

Que no escuro me abraça,

Estão vocês amotinados,

Amotinados que cantam em silêncio

O coro dos sentidos.


E eu que imploro para o chão,

Que lamento para o ar,

Nessa atmosfera densa de vazio,

Nessa âncora que nos carrega.


Afundá-nos no tablado,

Na luz amarela,

Dura como a espada que me desafia,

Fina como a lágrima que me perfura,

Calma como o calor que me socorre.


Você trás a vela que acende a cortina,

O aplauso que derrete a máscara,

A máscara que cola na pele,

Nesse rosto que derrama cor.


Você me faz suplicar,

Suplicar pelo vazio da plateia,

Pela mais alta estrela,

Que me fura com sua luz;

A estrela que em seus feixes

Arranha-me, mata-me.


O azul que escraviza as nuvens,

Presas na moleza do meio-dia.

É você, você que me faz gritar,

Curvar-me em minha própria silhueta,

Desenhando em mim sombras.

Sombras de pensamento,

Sombras de solitude,

Sombras de amor congelado.


É você em mim,

Que descalços nessa madeira fria,

Transformamos-nos no momento,

Quebramos-nos em versos,

Que nos cria no palco.