28 de agosto de 2011

Guarda-roupa

Há tantas coisas em guarda-roupas. Necessito por vezes abrir meu guarda-roupa apenas para ver os cabides alinhados, as pilhas de blusas e calças, as cores não orquestradas dispostas de forma a embriagar-me com combinações estranhas e outras inusitadas. Por vezes, as cores se tornam uma, com tonalidades semelhantes; outras vezes com cores apagadas e tristes, assim como a garoa fina que corre na vidraça da sala.


Há lenços e peças íntimas, meias, cachecóis, chapéus, colares, fitas, brincos, perfumes, pulseiras, botões, cintos. Qualquer tipo de espaço serve para mais uma peça comprada na liquidação.
Há cheiros que permanecem em certos tecidos depois de sua lavagem, pedacinhos de pessoas e situações que esbarramos pelas calçadas em que andamos. Há manchas que nem por mil lágrimas desaparecerá daquela lapela, nem muitos sorrisos irá rejuvenescer aquela saia surrada.
Há roupas que foram usados e hoje se encontram amotinadas no fundo da gaveta, encobertas de outras mil estampas e que sorrateiramente encontramos ao acaso, sem perceber. Essas roupas continuam lá, na inércia do tempo, sem ao menos deixar de lado os passeios, as palavras ditas, o calor do corpo, a chuva, o sol, as tristezas e a raiva que por lá passaram. São roupas vitoriosas por lá permanecerem, mesmo que esquecidas.


Alguns perfumes variam com o tempo, outros tendem a se fixar na pele. São odores de tempos e espaços; de memórias, que como em uma fotografia, não possuem movimento, mas sua estática nos revela a mais languida movimentação do passado. Lá enclausurado, os odores se manifestam felizes de serem recordados, de serem vividos novamente, como numa máquina do tempo.
Há invernos que nos pedem o máximo de roupas, os casacos se multiplicam, os cachecóis se olham felizes, as meias se tornam ineficientes. Há verões que as roupas são demais, o calor as aperta, as sufoca em suor; elas pedem por clemência e descanso.


De todas as vezes que abri e fechei as portas de um guarda-roupa, jamais me esqueço das razões em que o abri para pensar em mim mesma, para saber quais eram os conselhos que deveria ouvir, para entender porque certas pessoas simplesmente não voltam, porque certas roupas são pouco usadas. Nunca me esqueço do silêncio que permeia os meus olhos enquanto estes varrem o colorido das gavetas e espaços entre cabides e botões. Por fim, nunca deixo de perceber toda a minha fragmentação ali.