3 de outubro de 2014

Delonga de inverno

As luzes se apagam,
Os postes ainda guardam
O laranja em suas
Lâmpadas.


A palavra para,
Repentina,
No susto.



escuro.



A democracia dorme
Na boca do sapo costurada
E visita, em sonhos,
Os velhos filósofos.



apagar.



Minha retina queima
Com o gás da polícia,
Minha voz é sufocada
No saco plástico
E meu medo vira espelho
Do meu próprio assombro.


Morreu o príncipe
E sua República.


Sobrevive a luz da
Rua,
Reticente,
Imutável,
Feito pessoa
Em devir.


Sobrevive a palavra
E a mente.
Sobrevive essa escuridão
E o presente.


o logo depois
é feito,
finalmente.





Natalia Iorio

Niterói, julho de 2014.

25 de setembro de 2014

Manguinhos

O trem zumbiu ao esconderijo do sol,
em seu barulho sinistro,
que saía de suas veias na Central do Brasil



Passou a locomotiva gingando sob a favela,
passou gente em cima de gente,
correu sonho feito eletricidade nua
em cima de mães sem seus filhos



Passou a bala de fuzil,
e um avião no céu azul,
passou um sábado e dois domingos,
escorregou feito chuva os pensamentos do garoto
que vê segredo nas vielas



passou aquele trem
e o que ele viu
foi segredo,
foi suspeito,
foragido



Foram olhos furados,
olhos sem luz,
foi a queixa em enxergar.




Natalia Iorio

Rio, setembro de 2014

12 de setembro de 2014

Rua Uruguaiana

Havia uma ansiedade
pela espera de uma notícia
e uma saudade antiga
por um verão que se visse
pelas paredes
da cidade.



O cigarro queimava,
dentre os dedos de 25 anos
e olhos concentrados
viam pela janela
o começo dos telhados.



Não se soube da notícia
enquanto o cigarro acabava
e a sombra das cinco da tarde
escurecia a morada
daqueles olhos.



Para tanto,
havia um verão
em cada uma daquelas
esquinas ansiosas.




Natalia Iorio

Rio, setembro de 2014.

8 de agosto de 2014

paz


é saber



olhar arestas dos prédios
fincadas




no céu







Natalia Iorio
Rio, agosto de 2014



29 de julho de 2014

Notícia repentina



diante de tanta pressão,
ostentação e
prisão


nada me resta
a não ser
um rascunho de trovoada,
um pergaminho
de racionalidade,
um inquérito
de emancipação.


diante de tamanha
incoerência,
risca-se o fósforo
da violência,
caminha lento
o tanque de guerra
e


nada me resta
que uma caneta
de palavrórios,
um tinteiro de azul céu
ou pincel
para esmaltar teto
de favela.


diante dos tiros,
gases e bombas
varrendo em meses,
de discursos
sonolentos,
de antemão,
vagabundos
dos que nada sabem


nada me resta
que um rabiscar sem fim
pendido em anzol
de pescador


nada me resta
que o pavio curto
e
o iluminar
do toco de vela
para enxergar,
como os versos,
na escuridão.




Natalia Iorio

Rio, julho de 2014.

20 de julho de 2014

Minha Calunga




Salve Maria Padilha do Cabaré!




Essas ruas são todas minhas
A noite é vestida em mim feito lua
Ninguém me diz onde ir
Ninguém diz o que fazer


“Boa noite moço”
Não importa se é mendigo
Ou rapaz bonito


As ladeiras
Esquinas
Igrejas e
Vielas
São todas dela


Ninguém a toca
E a todos ela conhece


Dorme de olho aberto
Sorri na encruzilhada
Faz gato morder o rabo


Formosa mulher
Mulher?
Gira, gira menina
Rainha.




Natalia Iorio

Rio, julho de 2014

11 de julho de 2014

Afrodite encontra-se com Eros


e depositas em minhas
pequenas e cálidas mãos
uma dança
como a pétala de um
Lírio


estas minhas mãos
trespassadas por arestas
donde suam meus
ar(Dores)


mas, acalma-te!
delas, ainda,
não escorre
Sangue.



Natalia Iorio

Rio, julho de 2014.

2 de julho de 2014

Cativeiro


                                                                                   Para Alan F. Paes e Alessandra Borges




Os pés tocaram o chão frio
feito uma porcelana morta,
próprios pés gélidos
de coisa morta.


Nossos lábios tocaram
o assobio de um clarinete,
uma dança orquestrada
num réquiem.


Meu corpo misturou-se
ao azulejo do banheiro
e o seu beijo escorreu
pelo ralo do jardim.


Nossos pés tocaram
o chão em túmulo,
o escuro devorou a réstia
de luz do entardecer.


A longa esperança quebrada
e o desejo de uma vida sanguínea
caída, feita anjo,
no nada.





Natalia Iorio

São Paulo, julho de 2014.

23 de junho de 2014

Presente

E foi noite
de lembrança de criança,
de ver estrela no céu,
comer arroz doce de vó,
suspirar.


Foi madrugada escura,
de aparecer coração de Escorpião
na abobada celeste
e fim de Cruzeiro do Sul.


Foi breu
na ponta do coqueiro,
no canto do morcego
e no barulho do mato.


Foi de um futuro meio passado,
feito anzol de pescador
e baralho de vidente.


Foi-se
uma noite fria.



Natalia Iorio

Franca, junho de 2014.

10 de junho de 2014

Abençoada



E é foda
Quando sabem
Que teu amor
Está debaixo do
Capeta
Serve de tapete
Pra santa
E é o réquiem
Dos mortos


É foda
A foda
Em licor
Feito água
Que apaga na areia
Transborda no mar
Vira nota de
Trompete


É foda


Consentir





Natalia Iorio

Rio, junho de 2014

6 de junho de 2014

Cenário



Para Marcela Andrade



Luzes escuras,
Feixes azuis,
Taça...
Vinho...


Da janela,
O jazz sumia.


Prédios,
Janelas,
Corações.


Eles nem ouviam...
Os outros...


O que a cidade
Escutava?


Vou saber?
Eu não!


Somente
o
coração,
sozinho,
tresloucado
e
calado.





Ouvia.






Natalia Iorio

Rio, junho de 2014.

29 de maio de 2014

Corrida

Manhã fria,
inverno como um almoço
sem conversa,
irrompeu em angústia
dantes, anunciada.


Acordei-te com um beijo em pétala de flor,
fazendo sonho meu
cantar nas cordas
do violão empoeirado.


Dos seus olhos ressentidos
pela claridade do dia,
mandei-te até a janela,
e pedi que olhasse o céu!


Como Cartola fez,
certa vez comigo,
embrenhei-te numa corrida pela cidade:
Olhe o céu, amor!


Teu sorriso rasgou-te a face,
corrompeu meu coração.


Mesmo de dia,
eu via estrelas naquele céu.




Natalia Iorio

Rio, maio de 2014.

28 de maio de 2014

Derradeira

Da madrugada estranha
Veio a chuva acatada,
Correndo na estrada
E molhando a soleira da porta.


Pingou no coqueiro,
Assustou o moço,
Trovoou no cemitério
E acabou num desassossego.


Chuva irrequieta!
Uma pura vontade!


Vontade da janela aberta,
Do sorriso solto da amiga,
Da cadeira que balança.
Vontade boba!


Vontade passa!

Como essa chuva à toa...



Natalia Iorio

Rio, maio de 2014.



22 de maio de 2014

Cinelândia



Te procurei pela cidade,
olhei nas paredes dos prédios,
nas ruas de paralelepípedos,
no calor que se avolumava com o fim do trabalho.


Esperei que a cerveja me desse um sorriso,
que eu pudesse te assobiar
para lhe chamar até a minha mesa do bar.


Te procurei nos cantos...
te olhei na minha memória...
era tudo belo e quente...


Como a lágrima,
a rua
e essa cidade.




Natalia Iorio

Rio, maio de 2014.

30 de abril de 2014

Furtar-se

Letícia recostou-se sobre a parede sentindo o gelado do concreto. Respirou algumas vezes. Andaria por toda a Lapa. Olhou para os Arcos acima, pensou ter visto uma fagulha de sol, mas seu corpo era todo cor de sépia opaca, quase sem calor. Tomou fôlego e coragem. Esvaziaria todos os passos das calçadas, rondaria seus sentimentos... Mem de Sá, Riachuelo, Lavradio... caíra na Praça da Cruz Vermelha onde a graça dos mendigos vinham bisbilhotar sua dor.

Ah! Mas como eram pequenas aquelas ruas!
Quem nunca perdeu um coração esfomeado pelas esquinas da cidade?

Quantas casas ausentes!
Perdera seu coração. Alguém comeu-o por engano, como quem percebe sua luz num campo escuro.

Pobre coração! Era preferível viver perdido sob o cal do passado daquela terra do que ser digerido por um incauto.

Letícia, que agora tinha um nome, também tinha um senhor, alguém a quem sempre servir e esperar. Estava doente e andava desnorteada, como mariposas que rondam uma lâmpada acesa em noite quente. Sentia-se como uma escrava do vazio, da dor e do sorriso bonito.

A moça afoita e singela romperia alucinada por qualquer viela sem ter razão aos seus pensamentos e nem paz aos seus calcanhares. Foi perder a sua vida num coração.

Ela era agora, puro amar em amor.
Mas, somente se, assim o quisesse.




Natalia Iorio


Abril de 2014.

13 de abril de 2014

Lucidez



Da janela fechada
nada se ouve,
nada se quer,
nada se digere.


Da janela movediça,
o vidro se quebra,
a memória se finda,
a fotografia se apaga.


Daquela janela,
nada se pode escutar
e tudo se emoldura em cor,
o mais se perde num beijo,
o ar fresco vira movimento.


E o tempo,
aquele tempo,
perdura...


                        Continua...
                                                  

                                                 Feito janela
                                                                                

                                                                                         ...




Natalia Iorio

Abril de 2014.

3 de abril de 2014

Imaginário

Certa vez
comprei-lhe uma camisa
amarela com pássaros pretos...


Certa noite,
desabotoei-a e fiz
todos aqueles pássaros
voarem...


Passearam pela
minha boca,
meus dedos,
minha barriga,
pousaram no meu baseado
de três da manhã
até descerem...


Desceram a saia,
a calcinha,
a pele,
a umidade,
o cheiro...


Certa vez,
eles escorregaram,
tombaram no chão,
ajoelharam aos meus pés,
mortos...


Logo,
ressuscitaram.



Natalia Iorio

Rio, abril de 2014.

25 de março de 2014

Brasil


O mar se revoltou
A tempestade cortou o céu
e uma gaivota piou no ar


Os negros são açoitados
A garota é vendida na estrada
A igreja assina uma lei
e um poeta é morto


A sinhazinha é emparedada viva
O senado sorri à toa
O imperador grita por liberdade
e um amor é impedido


O garoto pede moeda no farol
O outro dispara o fuzil pela primeira vez
A mãe dorme no chão
e um livro é queimado


A justiça já enxerga
O governo já respira
A polícia já pacifica
e um alguém tem fome


As ondas rebentam na praia
Choveu um pouco de silêncio
e fez-se história de todos nós.



Natalia Iorio

Rio, 25 de março de 2014.

16 de março de 2014

Nomeação


Tudo emudeceu. Tudo se silenciou. O calor já não era bastante para refletir-se no asfalto e pulsar nos ânimos dos que por ali passavam. Há uma estátua suja à frente, uma mulher coberta por um manto amarelado e doentio. Outra mulher cospe no chão o resto de sua tônica recém bebida. A outra lata repousa no banco. Quieta.

Sobressaltada, ela levanta, contempla o riacho. Gira em círculos, encosta os punhos nos quadris, olha o céu, abaixa o pescoço. Olhar no horizonte.

Estátua! A garotinha pergunta o que era a mulher parada à beira do gramado.
A outra atravessa o meandro da observação entre o estático e o movimento, escapa do limite da intimidade, foge da visão distante.

“Olha um instantinho as minhas coisas ali?” - Um caderno, papéis dentro de uma pasta lilás e a outra tônica mergulhada em sol.

Sai sorrindo, desaparece em poucas árvores e retorna. Agradece a olhadela. Deixa a bolsa, volta para o riacho. Pega a bolsa, passa pela mulher parada. Nem a olha. Vai embora. Suas coisas já me pertencem. Há um cuspe seco no chão rodeado de formigas. Estômago doce.

Duas mulheres anônimas. O que será que pensam?

Deve ser dor de estômago. Muita tônica. Esperam por alguém. Um encontro não planejado ou um filho ausente.

Há manchas de tabaco nos dentes, cabelos pintados, unhas cintilantes. Cor de amêndoa.

Ela espera por uma sombra e por uma criança. Já posso até mexer em seus papéis e saber de suas dores físicas que continuam espalhadas pelo banco. A criança está chegando e um terceiro obrigada atravessa o ar de pássaros.

Nem estômago nem cigarros. A tônica esquentou, a sombra pousou na estátua e a mulher traz consigo uma criança de fartos seios, vestido indiano vermelho, cabelos castanhos e um leque azul meio a uma conversa lenta e plasmada.

E naquele único vermelhar do dia e de um céu quase azul e quase amarelo, tudo se torna amêndoas. A claridade, o cheiro, a rugosidade do chão e a lentidão do vento. O dourado que se esconde na pintura rachada da parede e do alto dos coqueiros. Amêndoas e cigarro.

A criança de dimensões gigantes recusa a bebida quente e borbulhante, a garotinha curiosa bate o tamanco enquanto corre dos pais e a conversa entremeada pelos papéis e prontuários médicos e de ressonância magnética é abafada por risadas irônicas, injeções, remédios, procedimentos e domingos.

Tudo se resolveria com dores de estômago e um pouco mais de tabaco nos dentes, mas a mulher amarelada continuaria parada em sua postura etérea e juvenil. Permaneceria lá com seu manto sujo e sua doença amarelada esperando a garotinha curiosa que não sabe como chegar ao lugar marcado para o encontro.

Natalia Iorio

16/03/2014 – 14:53 

12 de março de 2014

O que não se deve ler

E hoje eu acordei com aquela vontade ininterrupta de escrever a vida. Aquela maldita vida que se perderia no meio de uma frase, no ínterim de uma vírgula.

Maldita! 

Sabia eu que assim que começasse a entoar qualquer canto ou qualquer melodia de qualquer esquina, poste de luz, poça de calçada ou silhueta que mora na rua, ela iria se perder.

E foi-se. Esvaiu-se como o homem sem rosto que pede por comida ou a criança com sorriso torto que se afugenta ao sol de meio dia.

Eu quis mesmo escrever sobre mim mesma perdida no sorrateiro pesar de viver, num outro canto ou num outro mundo. Quem sabe dizer o significado dessas vontades passageiras e lúgubres?

Quem saberia dizer onde vive meu amor ou em que ombro ele repousa adormecido?

Não saberia.

Qualquer "qualqueres" que tentei decifrar nesta manhã irá se prenunciar numa noite clara e eclipsada por outros pensamentos e memórias. As descrições se tornam válidas quando preenchidas de significado, mesmo que abstrato e amórfico. 

É hora de saber parar de escrever para que as poucas palavras não fiquem mudas de não-significado ou um qualquer-significado.

Natália Iorio
12/03/2014 - 10:55