23 de setembro de 2010

A apologia do bem

É fácil notar a conturbação e a esquizofrenia que o clima está vivenciando nos últimos meses. Assim como somos inteiramente parte da natureza e tentamos a todo o tempo controlá-la da melhor (e da pior) forma, não seria estranho reforçar a ideia de que exista uma força intrinsecamente mística dela sobre os humanos. Brincadeiras místicas a parte, a ligação é natural e legítima e é o que faz sermos o que somos: matéria e pensamento, logos, razão.


O tempo realmente anda esquisito: amanhece com sol, o almoço é antecipado por nuvens escuras, à tarde temos uma leve garoa e a noite o frio lancinante nos envolve com roupas de verão e, totalmente despreparados somos surpreendidos por gripes e resfriados.


Deixando a meteorologia de lado, mas fazendo uma comparação pertinente ao nosso paradigma eleitoral, é fácil ver a esquizofrenia e a confusão mental e ética que rondam os candidatos eleitorais e os nossos representantes máximos do governo. Escândalos de corrupção e de formação de política familiar no Senado, presidente que se esquece de seu cargo e vira apenas militante político, candidata à presidência que lidera as pesquisas e que prefere se manter neutra numa situação em que não é admitida como sabia tal atitude.


Parece que os ventos estão mais fortes e menos refrescantes. Somos diariamente surpreendidos por uma frente fria repentina vinda de todos os cantos do Brasil, do Oiapoque ao Chuí.


Infelizmente a situação política atual do país só reflete a contradição e a nossa incompreensão diante de tudo, a falta de um pulso forte e bem ordenado que ponha lei e ordem na casa faz com que qualquer estrutura viável se desmorone.


A dez dias das eleições continuamos sem saber o que pensar e em quem votar, acabamos desanimadoramente, votando em ninguém, anulando o voto.


Lula esqueceu-se de seu posto de presidente da república e prefere voltar a ser o Lulinha sindicalista, lutando bravamente pelos seus ideais e pela sua candidata rubra; esta se queixa e se diz não fazer parte de nenhum escândalo, a posição neutra é o seu dilema dos últimos acontecimentos; Serra e Marina, por ora falam de uma proposta governamental e outra, mas preferem costurar incessantemente o tecido de acusações contra os que ganham; e mais uma vez tomamos conhecimento de cartéis familiares que dominam o Planalto, enfraquecendo e desmoralizando as leis e o poder ético e político.

Os ventos estão fortes mesmo e solapam a credibilidade e um pouco da esperança dos dias dourados de sol.


Enquanto alguns se mantêm invariáveis e céticos, a Bienal Internacional de Arte toma cor esse fim de semana com a sua inauguração, e seu tema não poderia ser outro: arte e política. Além do Senado, outra polêmica se avizinhou na mídia que foi o caso do conjunto de obras de Gil Vicente em que o próprio autor é retratado matando diversas figuras políticas nacionais e internacionais. Logo, as autoridades jurídicas se manifestaram contra as obras do artista exclamando que as retratações seria “uma apologia a violência”. A pergunta que se molda diante dessa declaração é: não seria a arte e a política, justamente, um ato violento? Digo violento não no sentido cruel e impiedoso da palavra, mas sim na intenção de ver forças contrárias se digladiando, de compreender as diversas opções contraditórias que se chocam mutuamente sem se aniquilarem. Diria que essa violência que Vicente expressa não é nada mais que a própria política e a arte: a pura manifestação de opostos, a pura provocação artística a fim de modificar e haurir um novo pensar dos habitantes dessa terra, a pura briga e discussão democrática que se deita na liberdade de nossa pátria.


A distensão de tantas informações que nos ludibriam a todo instante mais se parece com o vento gelado que nos assombra no meio da tarde. O clima se revolta e se enche de energia sonora e de atitude democrática e protestante (não no sentido religioso, e sim do ato de protestar), a arte mais uma vez toma movimento, publica e revigora a essência política: a violência. A violência na manifestação de idéias contrárias, da livre interação e discussão entre pessoas e instituições, da provocação essencial artística que esses artistas estão dispostos a nos forçar a ter em mente; e mais, o reflexo da violência da falta de política ética que nossos dirigentes fingem não estar cientes, da falta de maturidade como chefe de um governo frente as tempestuosas corrupções e assaltos sensacionalistas que a mídia retrata, a falta de poder puro e de punho firme a fim de ter a violência em suas mãos como modo de fazer o bem comum.

14 de setembro de 2010

Falta

Hospital. Nove da noite. O ambiente estava atormentado de pessoas andando para lá e para cá. Uma senhora com o rosto excessivamente avermelhado foi levada as pressas para a sala de emergência, um festival de escalpes pendiam nos três braços das três mulheres que estavam sentadas a minha frente.

- “Natalia Io...” – chamava a moça da recepção.

Levantei-me, assinei a minha ficha no balcão, voltei, sentei e esperei. A espera para ser atendido nos hospitais é algo a ser estudado: algumas pessoas não aguentam em si e logo relatam a pior expressão nos seus rostos. Pode ser dor, algum mal estar, uma febre ou o próprio medo do médico (no meu caso, as duas últimas opções relatam bem meu estado de espírito naquela hora). Alguns outros loucos de ansiedade e de desespero esperavam os seus nomes soarem no interfone da pequena saleta.

É estranho notar que todo recinto médico lembra mais um aparelho esquizofrênico que nunca para de se movimentar. Parece como uma mariposa rodando ao redor de uma lâmpada acesa.

Enfim, meu nome soou depois de alguns minutos no interfone. Dirigi-me até a sala seis. Lá um simpático senhor de bigode branco manchado de tabaco me aguardava. Mal me sentei na cadeira e...:

- Qual o problema? – e ele foi bem rápido no cumprimento e, quase imperceptível, foi sorriso que dera.

- Dor de garganta e febre – tive que se categórica também, afinal meu medo só aumentava na frente daquele ser de branco, totalmente branco pela idade adiantada.

- Senta na cama que eu vou ver.

Sentei, ele aferiu minha pressão numa surpreendente velocidade, me mandou abrir a boca, olhou minha querida garganta inflamada com uma luz azulada, voltou para a sua mesa e eu nem pude me sentar novamente porque a receita com os medicamentos já estava feita, e seu braço esticado em minha direção esperando que eu pegasse o papel e saísse logo da sua frente.

- Obrigada. - eu disse.

- Boa noite.

Sai correndo realmente, feliz da vida por não ter que tomar uma injeção. Eu estava feliz, mas o restante do corredor não estava e logo, procuravam um conforto na medicina, é claro, mas não só nela e, sim nas pessoas que a comandam. Infelizmente, acho difícil que pudessem achar algum singelo gesto acalorado naquelas paredes infinitamente escorregadias e frias.

Pensei naquele momento que é melhor ser um pedaço de carne no frigorífico do que esperar alguma ação de caráter humano dos médicos. Ta legal que eles podem estar cansados e desanimados com a profissão que escolheram e todo esse blá blá blá, mas não custa nos olhar como seus pacientes, porque isso é a única coisa que podemos ser naquele instante e, a única coisa que podemos esperar encontrar nas salas medicas é algo que seja da mesma matéria humana que a nossa.



O debate de domingo promovido pela Redetv e pelo jornal Folha de São Paulo me surpreendeu por ver a figura de Dilma Rousseff com seu terninho branco lá junto com seus concorrentes. Fora os fatos, palavras, pautas, tempos cronometrados, a fluidez e a polidez do jornalista que comandava o debate, nada teve de novo e de empolgante nesse debate; e por mais estranho que possa parecer, a meu ver Plínio de Arruda estava muito mais empolgante e confiante no que falava do muitos que vencem as pesquisas de intenção de voto.

É fácil olhar discursos, perguntas, réplicas e tréplicas sem nos sentir nas praças públicas da Grécia Antiga, onde os sofistas e a retórica eram fulminantes. A arte da sofística constava em entrar num diálogo, sobre qualquer assunto estipulado, e argumentar sobre o seu ponto de vista, ou sobre a sua verdade, mesmo que estes fatores não sejam totalmente verdadeiros e sim faltosos com a verdade, muitas das vezes. Menos difícil ainda é fazer uma analogia com os dias de hoje. O ruim é ver que já não acreditamos nessas palavras e viramos céticos frente à TV, sem saber o que dizer ou o que fazer. Na maioria das vezes, e no fundo de nossas metafísicas é isso o que acontece: uma falta do que pensar.



É tão difícil entender e juntar o nosso humano “selvagem” e o humano “social-cultural” que tentamos sempre separar os dois usando o trabalho, as responsabilidades, os estudos como linha divisória desses dois “eus” intrínsecos; o complicado mesmo é perceber que não existe nenhuma separação entre esses dois seres e que tanto somos selvagens com vontade de socar a cara do idiota que nos enche a paciência, como ter a índole da paciência e da educação ética de apenas usar o diálogo e a linguagem como meio de acabar com esse mesmo sujeito.

Esse constante devir humano se torna a maior contradição que me vejo mergulhada e que presencio por todos os lados, entretanto são os opostos que fazem a roda da vida se movimentar, então é conveniente entrar na contradição e viver dela e por ela.


7 de setembro de 2010

Intermitências

Eu acordei com a chuva hoje. Um telhado faz muito barulho quando chove, mas não deixa de ser um som reconfortante. Eram sete e meia da manhã, o ambiente estava escuro, porém, duas cobertas deram jeito no frio que fazia. Todos que acordaram na capital de São Paulo sabe que não parou de chover até perto do meio dia.

Nesses dias de chuva os ânimos se esvaem por qualquer bueiro, perde-se na ausência de luz e transpira pelas milhares de nuvens pretas que enfeitam o céu desta terça-feira. A palidez do dia refletia nas minhas atitudes. Fiquei a semana toda cozinhando, num cotidiano e numa obrigação infindáveis.

Meu cachorro morreu fazia uma semana e, ainda era estranho andar pela casa sem o ver deitado pelos cantos.

Enfim, pela porta da cozinha eu podia ver um Ipê amarelo, cheio de flores. Era a única coisa que lembrava o brilho do sol.

Será que alguém do Norte ou do Nordeste brasileiro escreve sobre seus respectivos estados, como eu faço com São Paulo? Quem será que são? E quem será você que está me lendo agora? Quem é você? Você existe?

Era irritante o barulho da faca cortando as cenouras e os dentes de alho nessa manhã, queria poder ser alguém invisível e não ter que escutar os passos e as reclamações sobre um ou outro tempero colocado erradamente na panela.

A chuva continuava. Algumas goteiras me perturbavam. O que não me aborrecia nesse dia? Quase tudo. Desligaram o radio em que eu me deleitava sobre uma música melódica de MPB. E daí? Quem liga...

A chuva estava diminuindo a ponto de ser apenas uma garoa intermitente. Quase ninguém trabalhou hoje. Era feriado e nem parecia ostentar o nome de tal dia festivo. Não ouvi nenhum tambor e nem grito eufórico e patriótico pelas ruas úmidas.

No domingo, li no jornal sobre a falta de marcas que remetam às eleições, que falta menos de mês para serem realizadas. É... As coisas andam esquisitas mesmo: candidatos que renunciam e nos faz lembrar que o tempo passa e que a morte chega; uma outra não quer participar de debates promovidos por jornais e por canais de televisão, fazendo manchar a esperança de alguma continuidade da aparente paz econômica brasileira; outros andam apáticos e sem brilho.

Parece que a apatia desses dias chuvosos se tornou um caos público geral. Parece que está tudo às avessas. Ou será que os avessos não é o certo? Será mesmo que temos que viver do lado certo? E se o lado avesso fosse o certo?

Parece uma desconstrução sadia a que vivemos, uma desconstrução do saber e do ser, do próprio indivíduo como tal. Já não sei mais onde me encontrar. Nas linhas das notícias prefiro me esconder nos discursos partidários, nos falsos trâmites eleitorais, nas bandeirinhas e selinhos que se descolam das paredes. Os meses parecem muitos quando vistos do passado, mas passam tão depressa que já é possível ver as conseqüências de nossas atitudes e escolhas.

Quando o muito parece pouco e o pouco parece muito, o melhor é termos cuidado. O meio fio parece ser a melhor alternativa nesses dias. A embriaguez social e de identidade parece ter me chicoteado essa semana. Uma garrafa de lucidez seria uma boa pedida. Garçom! Por favor, uma dose de lucidez e de tranquilidade! Mesmo sendo cara a dose e pequeno o copo, gasto meus níqueis com esta promessa que é fugaz e repentina.

Nesses dias de chuva, é complicado dizer algo que não seja desconexo e inconveniente. Melhor assim do que melancólico e triste. O verde e amarelo da minha patente de cidadã brasileira se corroeu de tanta chuva e lágrima. A insígnia de orgulho, amor, ordem e progresso, deixo com os positivistas, fico apenas com o orgulho ingrato e falho. Bom feriado de independência a todos.