7 de setembro de 2010

Intermitências

Eu acordei com a chuva hoje. Um telhado faz muito barulho quando chove, mas não deixa de ser um som reconfortante. Eram sete e meia da manhã, o ambiente estava escuro, porém, duas cobertas deram jeito no frio que fazia. Todos que acordaram na capital de São Paulo sabe que não parou de chover até perto do meio dia.

Nesses dias de chuva os ânimos se esvaem por qualquer bueiro, perde-se na ausência de luz e transpira pelas milhares de nuvens pretas que enfeitam o céu desta terça-feira. A palidez do dia refletia nas minhas atitudes. Fiquei a semana toda cozinhando, num cotidiano e numa obrigação infindáveis.

Meu cachorro morreu fazia uma semana e, ainda era estranho andar pela casa sem o ver deitado pelos cantos.

Enfim, pela porta da cozinha eu podia ver um Ipê amarelo, cheio de flores. Era a única coisa que lembrava o brilho do sol.

Será que alguém do Norte ou do Nordeste brasileiro escreve sobre seus respectivos estados, como eu faço com São Paulo? Quem será que são? E quem será você que está me lendo agora? Quem é você? Você existe?

Era irritante o barulho da faca cortando as cenouras e os dentes de alho nessa manhã, queria poder ser alguém invisível e não ter que escutar os passos e as reclamações sobre um ou outro tempero colocado erradamente na panela.

A chuva continuava. Algumas goteiras me perturbavam. O que não me aborrecia nesse dia? Quase tudo. Desligaram o radio em que eu me deleitava sobre uma música melódica de MPB. E daí? Quem liga...

A chuva estava diminuindo a ponto de ser apenas uma garoa intermitente. Quase ninguém trabalhou hoje. Era feriado e nem parecia ostentar o nome de tal dia festivo. Não ouvi nenhum tambor e nem grito eufórico e patriótico pelas ruas úmidas.

No domingo, li no jornal sobre a falta de marcas que remetam às eleições, que falta menos de mês para serem realizadas. É... As coisas andam esquisitas mesmo: candidatos que renunciam e nos faz lembrar que o tempo passa e que a morte chega; uma outra não quer participar de debates promovidos por jornais e por canais de televisão, fazendo manchar a esperança de alguma continuidade da aparente paz econômica brasileira; outros andam apáticos e sem brilho.

Parece que a apatia desses dias chuvosos se tornou um caos público geral. Parece que está tudo às avessas. Ou será que os avessos não é o certo? Será mesmo que temos que viver do lado certo? E se o lado avesso fosse o certo?

Parece uma desconstrução sadia a que vivemos, uma desconstrução do saber e do ser, do próprio indivíduo como tal. Já não sei mais onde me encontrar. Nas linhas das notícias prefiro me esconder nos discursos partidários, nos falsos trâmites eleitorais, nas bandeirinhas e selinhos que se descolam das paredes. Os meses parecem muitos quando vistos do passado, mas passam tão depressa que já é possível ver as conseqüências de nossas atitudes e escolhas.

Quando o muito parece pouco e o pouco parece muito, o melhor é termos cuidado. O meio fio parece ser a melhor alternativa nesses dias. A embriaguez social e de identidade parece ter me chicoteado essa semana. Uma garrafa de lucidez seria uma boa pedida. Garçom! Por favor, uma dose de lucidez e de tranquilidade! Mesmo sendo cara a dose e pequeno o copo, gasto meus níqueis com esta promessa que é fugaz e repentina.

Nesses dias de chuva, é complicado dizer algo que não seja desconexo e inconveniente. Melhor assim do que melancólico e triste. O verde e amarelo da minha patente de cidadã brasileira se corroeu de tanta chuva e lágrima. A insígnia de orgulho, amor, ordem e progresso, deixo com os positivistas, fico apenas com o orgulho ingrato e falho. Bom feriado de independência a todos.

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