9 de dezembro de 2013

Arruaça

A lua se escondeu na noite clara
feito pingente de moça bonita
e iluminou o céu com um sorriso torto.


E na cidade algumas ruas sumiam
com os homens engravatados;
outros, de camisa frouxa,
se ajoelhavam perante a mesa de bar
com a ilusão espontânea da cerveja gelada
e dum amor perdido.


E, de repente, o ar se embala,
dum perfume doce e mais que conhecido,
o perfume da colônia de água fresca,
que mistura-se as portas altas dos sobrados antigos,
deita-se no ladrilho da calçada
e acalma o coração da tristeza.


E da água fresca chega a madrugada festeira
trazendo a cachaça de seu Zé;
aquele que vem do morro
vestindo seu terno branco
e batucando a aba do chapéu
que se ritma em samba.


E quando a polícia enfim, chega no bar,
o malandro já fez tudo:
sapateou todo salão,
abençoou a lua
e raptou a moça bonita.




Natalia Iorio

Rio, 9 de dezembro de 2013.

28 de novembro de 2013

No fim

Aviões voam baixo,
trilhos do bonde ainda existem,
o sol se põe nos sobrados velhos
e a cerveja esquenta na mesa

As conversas se misturam aos rostos iguais,
o chão quente é sapato do malandro,
a mulher sai na janela suspirando
e o moço reclama no telefone.

A tarde não vira noite,
a madrugada nem se sente,
a manhã vem como um almoço
e o marinheiro chama ao longe.

Bem ao longe ...


Natalia Iorio
28/11/2013 - Niterói - RJ

16 de setembro de 2013

Setembro

Caiu a chuva
que eriçou o rabo do gato
enquanto cruzava a rua


Caía a chuva lenta
pesada como o verão evaporado
e de chá esfriado


Cai a chuva muda,
silenciada como em
Charles Chaplin

Choveu muda
a noite finda.


Natalia Iorio

1 de setembro de 2013

Barra Funda

A lua resplandecia
por detrás dos
edifícios.


Algumas luzes dos faróis,
desajeitadas, ofuscavam os olhos
de quem caminhasse pela calçada quebrada.


Árvores turvas e nuas
espiavam o contraste
dos namorados na janela.


Um garoto beijou
seu cachorro
de coleira curta.


O trem insinuante,
zumbiu em silêncio
na linha férrea.



Tudo foi pouco
visto pelos passos apressados
duma sombra.


Já era muito
o pensamento que pendia
na rua como uma flor.


Diluiu a noite quente
como um enfeite
de breu.



Era, enfim,
uma madrugada
clara.




Natalia Iorio

Brás, 30 de agosto de 2013.

8 de julho de 2013

As coisas de Sofia


Sentia saudades de não sei o que.


A coitada da Sofia vivia pelos cantos,
suspirando e se lamentando.
Quando dava de olhar a copa das árvores
gastava todo seu dia nisso.
Ou dava de cutucar a cutícula das unhas
até se impacientar com seu tédio.
Sua vida parecia mais uma rua sem saída,
dessas feitas com paralelepípedos
e ladeadas de casas descascadas.


Sofia gostava de andar descalça,
de deitar no chão gelado,
de quebrar o copo de plástico em tirinhas.
Havia dias, que a coitada da Sofia,
não cabia dentro de si
tamanha era sua tristeza.
Quando atinava de chorar e gemer para as paredes,
os vizinhos já sabiam que nada podiam fazer.


Sofia continuava numa lentidão irrequieta
até que seus dedos ruídos pudessem apontar
para as primeiras estrelas que aparecia no céu da noite.


Sofia, então, já estava feliz.



Natalia Iorio

07/03/2012 – 16:37

5 de julho de 2013

Joana



gostava de almoçar tomando cerveja,
gingava a saia por qualquer batuque,
dava bom dia a quem quisesse.


Ela amava o porteiro de seu apartamento
e fumava cigarrilha de baunilha
enquanto lia Manuel Bandeira.


Saia na madrugada
brilhando com as estrelas,
cantava pra todo mundo.


Mas, chutava a noite
e, da última garrafa do bar,
jogava flores à lua,
chorava até dormir.


Joana,
tinha medo dos alvoreceres.






Natalia Iorio

27 de junho de 2013

Teu,

café requentado,
coado à meia noite de ontem


soneto solto,
duma música sem métrica


muitos encantos,
para em uma única cama se deitar




Natalia Iorio
27/06/2013


19 de junho de 2013

Narração

A palavra da noite
tornou-se tinta
e pintou-se como choro de criança
na madrugada.


A palavra de hoje,
bateu à porta do jornaleiro,
sentou-se na beirada da cama
e bebericou o melhor Whisky.


A palavra sem voz,
deu a todos a insônia,
fez amanhecer o dia
e, da luz que vinha,
amou a saudade.




Natalia Iorio
19/06/2013 - 22:56

13 de junho de 2013

Resto


E quero viver assim ...
Feito copo d’água duma flor,
Feito saia da garota,
Feito soneto para o amado.


Querer viver assim ...
Feito conversa de botequim
Feito fim de tarde de domingo,
Feito um sorriso silenciado.


E quero viver assim.


O resto que se acabe em mar.




Natalia Iorio

13/06/2013 – 12:21

8 de junho de 2013

Devagar

Eu quis ler Vinícius andando pela calçada,
assistir um eclipse no parque,
tirar a areia da canela.


Quis cantar uma melodia sozinha na rua,
recitar o verso dum amigo da janela de casa,
ouvir Chico do vizinho.


Eu quis a cerveja do boteco do bairro,
de dançar à sombra da lua,
de acender a luz do poste.


Quis ver as sombras das árvores,
do garoto bronzeado correndo,
dos ladrilhos do meio fio se confundir com o corpo do mendigo.


Eu quis tomar um café com o amante,
de dizer bom dia à minha mãe,
de comprar uma flor ao meu pai.


Quis acordar pelo apito do portão,
ver os trabalhadores caminhando,
de poder dizer a verdade.


Eu quis ...
Viver tão assim.




Natalia Iorio
Rio, 08 de junho de 2013

4 de junho de 2013

As caras do mundo

Os caras do mundo pairavam sob a cidade:
rostos de rugas enegrecidas,
peles queimadas de sóis de meio dia,
expressos em olhos de lua minguante.


Os rostos do mundo são páginas de listas telefônicas:
caras que se empurram no trem,
perdem-se pelos trajetos de sempre
e voltam por caminhos de dias habituais.


As peles do mundo são feitas de guarda-chuva:
piam como corujas afugentadas do temporal
e morrem em suas camas
pelo trabalho ou pelo estômago vazio


As expressões do mundo são cemitérios de não enterrados:
caudaloso rio de destinos sem escolhas,
de livres arbítrios cansados
em que se mortifica e amotina a vida cotidiana.




Natalia Iorio
21/05/2013


21 de maio de 2013

Desimpedimento



Era o tempo de uma música,
que se deixou cantar
solta pela janela das três da tarde
aberta aos vizinhos mudos.

Deixasse cantar...


Foi o tempo do desabotoar da camisa florida
no desatino dum beijo roubado
no vão entremeado da fechadura.

Que se espia...


É o tempo do balouçar da maré
donde os corpos se esvanecem em mole respirar
e os homens encurtam vidas em sonhos.


Vinde o canto se misturar ao mar...




Natalia Iorio
21/05/2013 – 15:34

21 de março de 2013

Banal


E foi a guerra. A guerra. Aquela. Foi ela.
Que entrou feito barata pelo ralo a noite e veio assustar a quem andasse atrás dum copo d’água.
Aquela que ao amanhecer reabre a padaria desfiando bom dia aos que param na esquina.
Ela, parada, no carro aos fins de tarde, no calor do engarrafamento quando a mãe se dá conta do atraso de buscar o filho na escola.
A guerra pacificada dos domingos ao lado de alguém, onde se pode ver o silêncio e ouvir um certo amor.
Amor de guerra.

É ela e, somente, a guerra.
A violência de ruas caladas pela chuva, dos transeuntes que se esbarram remexendo poeira e sentimento.
O amor de paz quando o trem passa pelos trilhos
Ou
Pela falta de guerra quando se apaga um cigarro.
E ela.
Uma guerra enunciada e elucidada.
Uma paz medida e racionalizada.
Aquela. Ela. Foi ela.
A coragem do sim
E a angústia do não.
A calma do escuro
E a cegueira em plena claridade.
A paciência violada do menino que empina pipa na rua de paralelepípedos.


A paz.
Da vó que erra o bolo de laranja.
Do pai que esquece o dia de aniversário da mãe.
Do irmão que não sabe que tem uma irmã de outro estado.


A guerra.
Da luz que queima no poste da rua.
Da moeda de cinco centavos perdida na calçada.
Da mega-sena acumulada na lotérica.
Da cachaça que seca no fundo do copo na pia dum bar.


O amor.
Da moça com frio que enlaça seu pescoço num cachecol.
Do relógio do velho que marca 22:15.
Do tênis vermelho que calçam os pés dum estuprador.
Da garota que respira num hospital.


Nós, aquela. Aflora flor em guerra.




Natalia Iorio – 19-03-2013

8 de março de 2013

Alessandra


era tarde quente
daquelas de vento fraco
no calcanhar

e ela,
Alessandra,
debruçou-se em melancolia
de olhos parados
e mãos frouxas


nua, com a coluna envergada
parada ao meio fio da cama,
comeu a laranja morna


sem prato
ou guardanapo


meia laranja morta
sem faca nem palavra


ficou Alessandra
parada,
na lua
de seus pensamentos





Natalia Iorio
08/03/2013  -  00:14

29 de janeiro de 2013







e
a realidade
é sempre
mais morna
do que


imagino

       ...

20 de janeiro de 2013


Vi a madrugada
cantando sua partida
enquanto eu mal entendia
que fazia dum repente
uma canção para ti.


Bebi um gole assustado
de sentir tanta amargura
num revolto coração
a falta dum tamborim
que batuquei enfim.


Mal enxerguei o dia que vinha
na escura noite
ainda recendia
a vontade de embalar-me
num malandro amor de verão.


Senti a névoa da manhã
arrebitar em meu ombro
as horas cambaleantes
do ônibus que passava
e eu nem vi.





Natalia Iorio
16/11/2012 – 06:41