30 de abril de 2012

O espelho



Queria um dia,
ao me olhar no espelho,
que o reflexo se desprendesse de mim.


Queria saber dele
ou dela
como me vê?
Daria conselhos quando meu semblante
tingisse de tristeza?
Falaria comigo ao ver minha boca muda?
Conseguiria chorar enquanto eu me mantivesse
calada?


Como seria meu reflexo sem mim?


Quero um dia ainda,
olhar-me ao espelho e
não ver reflexo
algum.


Nenhuma forma minha
retratada em opostos.


Quero um dia
ver-me no espelho,
sem nenhuma figura representada.


Quero, somente,
que seja eu
e o espelho.





NathalyaG – 28/04/2012 – 16:17

29 de abril de 2012

Efêmero


A vida escapou-me hoje.


Fugiu por entre o azul acinzentado do céu,
Partiu pela água fria da torneira,
Ajeitou-se nos cobertores do sol de inverno.


A vida escapou-me por completo.


Nesta tarde que se torna estranha,
De todo pesar e toda a alegria
Em que a inquietude deitou-se, simplesmente.


Escapou-me tudo.


A morte e a lucidez,
A imagem no espelho,
E todo o resto do meu ser.


Escapou todos.


Na doença da alma,
Ia findando a luz do dia
Quando da calma taciturna,
Surgiu um questionamento.


Onde se encontra a vida?


A vida escapou-me hoje.
Rodopiou em passos dormentes.
Cantou em melodias desconhecidas.





NathalyaG – 31/05/2011 – 16:23



28 de abril de 2012

Alan


Ele estava sentado num banco velho de madeira,
os olhos vermelhos,
cabelos bem penteados.


Quem não o conhecesse não
saberia.
Não saberia de seus homens,
de suas incertezas embriagadas,
de sua voz que eleva-se nas frases de
intensidade.


Quem não conhecesse uma nobre alma
como a dele,
não poderia sentir
como queimava o verde de seus olhos
ao som da cocaína,
como a roupas pretas e os casacos lhe vestiam bem
à luz do absinto,
até suas madrugadas tropeças na rua combinava
com sua barba aparada.


Era uma boa alma,
um bom rapaz,
um príncipe de vinte anos.


Era, enfim,
um Santo.




NathalyaG – 27/04/2012 – 21:47

27 de abril de 2012

A borboleta


Vi uma borboleta morta.
Uma borboleta laranja morta no asfalto
Sobre a faixa de pedestres.
Laranja ainda de asas abertas
No silêncio que vem em dias de garoa.
O cinza e o laranja.
A borboleta morta na cidade.




NathalyaG – 27/04/2012 – 12:49

24 de abril de 2012

Verde-água



Na hora vazia em que me
encontro
nenhuma parte de meu
corpo
consegue desvencilhar da
coisa estranha,
corroída,
rota.


Nenhuma
palma colada,
noite revelada,
ou a lua que bóia
pela metade
...


Naquele céu!
É o meu céu
em que prende-se
perde-se
qualquer calor aguado
como uma chuva
que vem e passa.


É uma chuva
que passou,
lavou,
clamou,
louvou os lugares
que nem são
ou foram.


Nesta hora vazia
cheia de palmas coladas
eu faço-me
em chuva cheirosa
de você
que passou
sem que eu quisesse.



NathalyaG – 11/04/2012 – 21:01

21 de abril de 2012

Anônimos


- Eu li seu último poema...
- E o que achou?
- Fiquei sem ar. Ainda estou sem ar...
- Você não vive sem ar morando nessa cidade? Eu sempre estou sem ar...
- Eu esqueço que fico sem ar, esqueço que tenho que respirar aqui.
- Pois deveria tentar não respirar todos os dias.


Os dois se olharam. A noite não tinha garoa nem céu estrelado. Só a corrosão de nuvens laranja. A lâmpada de um dos cômodos estava queimada, as sombras faziam com que os olhos parecessem mais caídos, tristes, arrependidos.


- É culpa sabe? Eu me sinto culpado, mas não sei bem o motivo. Sei que não deveria me sentir culpado.
- Eu queria mesmo te culpar. Mas, não. Você não tem culpa.


A claridade deveria ser demais. Lágrimas secas deveriam se pronunciar naqueles olhos, naqueles cílios grandes. Não poderia chorar, mas seria difícil controlar.


- Às vezes eu penso em morrer. Olho os conhecidos e não me reconheço. Eu penso mesmo. Penso sempre.
- Dá para perceber isso.
- O que? Que quero morrer ou que penso?
- Os dois.
- Hum...


Tinha de haver silêncio entre os dois. Deveria de ter uma ausência assim como eles. Não havia. Muitas vozes e passos. Muita gente indo e vindo no meio de seus corpos.


- E é necessário?
- Sim. Claro que é.
- Eu não acho que seja.
- Calma. Do que estamos falando?
- Da sua vontade de querer morrer. Acho que você não precisaria querer morrer agora.
- Pensei que estivéssemos falando se precisaríamos ter essa conversa.
- Precisamos né.
- É meio óbvio.


Precisava de som. Uma música. Algo alegre. Um sorriso, um abraço de um amigo que chega, uma novidade. Precisava. Ninguém passou. Restou o silêncio bendito de antes.

Não haveria nem o celular, alguém ligando no meio da conversa óbvia. Ninguém chegaria para salvar aquilo que restava.

Iria se dissipar no céu cheio de nuvens, formar a garoa do dia seguinte, o concreto úmido. Tudo secaria. Dissiparia.

Era melhor respirar. 

Pensar que respirava.