- Eu li seu último poema...
- E o que achou?
- Fiquei sem ar. Ainda estou sem ar...
- Você não vive sem ar morando nessa cidade? Eu sempre estou
sem ar...
- Eu esqueço que fico sem ar, esqueço que tenho que respirar
aqui.
- Pois deveria tentar não respirar todos os dias.
Os dois se olharam. A noite não tinha garoa nem céu
estrelado. Só a corrosão de nuvens laranja. A lâmpada de um dos cômodos estava
queimada, as sombras faziam com que os olhos parecessem mais caídos, tristes,
arrependidos.
- É culpa sabe? Eu me sinto culpado, mas não sei bem o
motivo. Sei que não deveria me sentir culpado.
- Eu queria mesmo te culpar. Mas, não. Você não tem culpa.
A claridade deveria ser demais. Lágrimas secas deveriam se
pronunciar naqueles olhos, naqueles cílios grandes. Não poderia chorar, mas
seria difícil controlar.
- Às vezes eu penso em morrer. Olho os conhecidos e não me
reconheço. Eu penso mesmo. Penso sempre.
- Dá para perceber isso.
- O que? Que quero morrer ou que penso?
- Os dois.
- Hum...
Tinha de haver silêncio entre os dois. Deveria de ter uma ausência
assim como eles. Não havia. Muitas vozes e passos. Muita gente indo e vindo no
meio de seus corpos.
- E é necessário?
- Sim. Claro que é.
- Eu não acho que seja.
- Calma. Do que estamos falando?
- Da sua vontade de querer morrer. Acho que você não
precisaria querer morrer agora.
- Pensei que estivéssemos falando se precisaríamos ter essa
conversa.
- Precisamos né.
- É meio óbvio.
Precisava de som. Uma música. Algo alegre. Um sorriso, um
abraço de um amigo que chega, uma novidade. Precisava. Ninguém passou. Restou o
silêncio bendito de antes.
Não haveria nem o celular, alguém ligando no meio da
conversa óbvia. Ninguém chegaria para salvar aquilo que restava.
Iria se dissipar no céu cheio de nuvens, formar a garoa do
dia seguinte, o concreto úmido. Tudo secaria. Dissiparia.
Era melhor respirar.
Pensar que respirava.