27 de junho de 2012

Rio de Janeiro



À Eleusa Garcia


O que há no ar que cheira a mar?
O que há nas gaivotas que plainam sobre o lago?
O que há com o horizonte enviesado de montes?
O que há com as favelas no meio da cidade?
O que há com o som do vento que parece inexistente?
O que há com os guardas que bebem uma água fresca?
O que há com a moça que lê um livro deitada na mureta?
O que há com a areia que caminha lenta entre os vãos da calçada?
O que há com o molejo dos passos de pés descalços?
O que há com os apitos que coordenam o trânsito?
O que há com a neblina que embala o Cristo pelas manhãs?
O que há com a experiência não vivida?
O que há com a lembrança que nunca existiu?
O que há?





NathalyaG – Aterro do Flamengo, RJ – 22/06/2012 – 15:56

20 de junho de 2012

Naquela quase chuva de fim de tarde


Fui tomada tão inconseqüentemente pela melodia de Caetano,
aquele Caetano tão bem vindo em dias de céu cinza
que caía na tarde de São Paulo.


Movi-me juntamente ao teu sotaque
e parei calada,
sorrindo,
boba.


Não sei o que pensava ou sentia,
fora como um silêncio embriagado que tomou-me
muito de repente,
muito de um jeito afora sem jeito,
dum trejeito quieto que me ouvia.


Ouviu o que nunca disse com
 palavras minhas,
disse com palavras suas
aquilo que Caetano teimava em cantar.


Cantava bonito demais.
Cantou tudo de mim. 




NathalyaG – 20/06/2012 – 17:20

14 de junho de 2012

Empassárados


Vieram de um silêncio negro,
Trouxeram uma estranheza no ar,
Levaram embora o calado,
Tiraram o nada do lugar.


Eram pássaros cantando a noite,
Pássaros noturnos,
Um tanto passageiros.


Disseram uns que ouviram rapidamente,
Outros ouviram quietos e medrosos,
Outros vários dormiam em nuvens.


Eu ouvi de olhos fechados.


Foram pássaros noturnos passando ao céu,
Entrando numa noite que era quase madrugada,
Na neblina da quase noite anoitada.


Cantaram como num dia que chega,
Mas que já era longa sua ida,
Demorada a sua chegada.


Noite que caiu.


Mas são pássaros que cantam,
Pássaros invisíveis como o breu.


Podem pássaros não cantar?




NathalyaG – 14/06/2012 – 00:33

12 de junho de 2012

Um viver


Não haveria poesia se os tormentos da madrugada
Não me afligisse,
Não existiria soneto perfeito se música intocável da alma
Não fosse tocada,
Não teria de aparecer um verso calado se toda a voz de mim
Não fosse dita.


Não poderia recitar estrofes do sofrer de amar
Se todas as flores do silêncio teu se sepultassem,
Não haveria morte cotidiana
Se todas as cenas do dia não fossem narradas,
Não andaria corpo meu ao vento da manhã
Se nele não pudesse ouvir o mais solene cântico da humanidade.


Se todas as poesias que escrevi
Não pudessem existir
Eu mesmo não teria forma nem cor.


Se todos os versos meus
Não pudessem exprimir-me em dor de ser-se,
Talvez a vida não se fizesse como é.



NathalyaG – 12/06/2012 – 00:30

6 de junho de 2012

Amar-te



digam que Amo à toa
como parte de um sofrimento já sepultado.

disseram que Amei muito por algo não tão justo
e que ficou como fel escorrendo pelo meu peito.


digo que Amei tendo muito Amado
uma parte minha-sua que em mim se faz,
uma parte muita em todo muito,
a parte fragmento de
Tudos.


Amei como o oculto de uma razão enganada,
como uma onda que se quebra na correspondência do já sabido,
como uma razão que gosta de ser mentida e revirada
em praia de saberes mudos.


Amo agora sem ter o corpo em carne viva,
mas viva a alma de sentir e de doer.


Amarei em todas as noites escuras e, que assim,
Liberta-se de formas de luz e claridade,
deixa na escuridão o Liberto ser sem obrigação.


Amo o que Liberta em imaginações fugidias,
em histórias recontadas, revoltas, giradas.

Vivo o Amor Amado e não Amado,
o Amor cálido,
calado de tanto falar em Amor,
que mesmo no não Amar
desabrocha-se em Flor- Amor.


viverei sem ter vivido o presente pressentido,
presenteado pelo passado nunca estatuído,
pelo futuro nunca planejado.


Vivo Amando-te,
em Amor,
Amando.




NathalyaG – 05/06/2012 – 22:53

3 de junho de 2012

Óbvio







Poema escrito na parede de Acervo Antropofágico em CACS PUC-SP - Nem público nem privado, Autogerido.

1 de junho de 2012

Saudade



À Meiri Bertagnon

O tempo que voltou
sem ter voltado.
Voltou naquela foto guardada,
no cheiro parado do armário,
no relógio quebrado do criado-mudo.

E se o tempo voltou
e voltasse,
voltar a volver
como um lençol estendido
nas camas mornas da manhã,
na porcelana azul-claro da cozinha,
na chaleira zunindo fina no domingo.

Mas o tempo não passou,
ficou.
Ficou estampado na parede amarela
e nos sorrisos correndo pela sala.
Ficou e ficará.

E o tempo sempre passará
como um suco gelado,
um batom vermelho na boca antiga,
uma roupa marcada pela espera.



NathalyaG – 01/06/2012 – 12:33