31 de março de 2012

Frango frito

Dois pratos brancos.

Arroz e frango frito.

Frango ossado.

Dois pratos sendo comidos.

Um garfo, uma olhada relutante.

Displicente.

Com uma camiseta laranja desbotada,

a calcinha frouxa,

as pernas nuas com os pés apoiados

em sua cadeira.

Você tinha os cabelos meio bagunçados,

nu.

E comíamos com uma raiva vestida de

silêncio.

O vagar dos talheres e dos goles d’água que

tomávamos.

Um soco. Como socos.

O ponteiro do relógio de parede encardido

batia forte na tinta da cozinha.

Eu retalhava meu frango duro,

não era uma manhã para se comer

com delicadeza.

Cortei-o com tanta aspereza

que ele caiu no chão

de lajotas beges.

Te olhei. Engoli o que restava na boca.

Tomei o resto da água quente.

O frango ficou no chão.

NathalyaG – 30/03/2012 – 21:59

29 de março de 2012

Café

Acordar.

Acordar tão estranhamente.

Acordar no meio da noite para pensar

Tendo você ao meu lado.

O lado do qual não poderia estar.


Tomei o café na manhã que esfriava.

Tomei o café puro e sem gosto.

Estava amargo.

Mas eu não ligava,

Parecia mais comigo daquele jeito.


Olhei-o de esguelha e vi faíscas de vazio ressonar.

Peguei outro café e pousei ao seu lado,

Em meu criado mudo.

Deveria dar-te aquele café meu sem gosto,

Deveria dar-me sem gosto a você.


Toda sem sabor.

Colocaria o casaco,

O cachecol e os óculos.

Miopia.

Nem ao menos podia enxergar a borda da xícara,

Nem enxergava seu corpo se movimentando.


Deixei que esfriasse.

É. O café esfriaria como as manhãs.

Mas deixaria a fina camada de pó seco,

A pequena cor no nada,

Assim como o sol dos invernos.


NathalyaG – 29/03/2012 – 11:12

28 de março de 2012

Sono

Uma luz cadavérica,

laranja-cidade,

incendiava a rua deserta.

A chuva seca no asfalto

fazia brilhar a escuridão.

E brilhou. No esqueleto de prédios.

como uma abelha,

uma mosca morta,

as casas zuniam embevecidas de sono.


De tanto barulho e luz,

a metrópole, enfim,

adormeceu.


Foram tantos faróis avermelhados,

semáforos que iam e vinham na lentidão do trânsito,

gotas de chuva que transbordavam nos bueiros entupidos,

a cerveja e o churrasquinho no bar da esquina para as bocas esfomeadas

de tanta espera.


Dormiu a São Paulo lotada.

Pegou no sono na hora de sempre.

Deixou a luz laranja de vigília pelas ruas.


Adormeceu.

Seus transeuntes, no entanto,

continuavam em

reticente insônia.

NathalyaG – 27/03/2012 – 23:54

27 de março de 2012

Outono

Éramos duas

quando nos dias claros.

Não que fossemos iguais,

mas tudo o que nos pertencia

em velados sorrisos

eram-nos semelhantes.


Viramos três.

Três copos de leite,

em disputa silenciada

pelo meu desconcerto.

Meus pés esfriavam estranhamente.

Calei-me. Objetei-me. Retirei-me de mim.

Meu esmalte corroeu.


Éramos três.

Apenas as três.

Eu com o esmalte vermelho descascado,

você com um licor vinho nas mãos

e ela,

sem cor.


Ficamos as três espaçadas,

cordialmente caladas,

no dia em que escureceu mais cedo.


NathalyaG – 23/03/2012 – 18:24

23 de março de 2012

Rebobinei o mundo

Rebobinei o tempo.

O avião retornou no azul sem graça do céu,

os carros e as avenidas inverteram seus lugares,

a cor, imperceptível, descreveu ondas de calor na atmosfera.


Rebobinei as manchetes.

Deixei as imagens passarem,

minha consciência perder-se em ondas de fumaça

do cachimbo de minha amiga.


Rebobinei o fluxo sangüíneo.

Queria mesmo que ela fosse minha amante.

Prender meus compridos cabelos

num laço suicida.


Rebobinei.

A fita do meu cérebro.

Enrolei meus órgãos num saco de plástico com sujeira no fundo

E pendurei numa árvore.


Rebobinei.

Sonhei que andava entre as crateras da lua.

Imaginei que segurava as mãos dos viadutos.

Recolhi os frutos viscerais de minha árvore.

Tratei de descolorir o passado do tempo que voltei.

Voltei.

Rebobinei.

NathalyaG – 23/03/2012 – 09:43

13 de março de 2012

A moça sem nome

Foi jovem, puro, forte.

Confesso que senti vergonha

ao pousar minhas mãos frias em sua serena pele;

Você dormira tão repentinamente

aquela tarde.


Foi juvenil, eufórico, duro.

Seus olhos pousaram em

seu sorriso branco.

Adormeci em pequenos solavancos

de amor renascido, surgido.


Foi a moça dos olhos azuis aguados.

Uma enchente cinzenta que invadia meu dia.

Qual seu nome?

Nem ouso saber!


Daria o nome de Camila;

A moça Camila que combina

Com a alvura de seu corpo,

Com a textura de seus louros cabelos

E com o copo azul em que bóia suas pupilas.

Camila! A moça sem nome.