31 de janeiro de 2012

Em um dia

Poderia se tratar de um dia comum, sem nada de anormal. Não era. Não poderia ser normal. Sua vida poderia ser contada em um dia. Nada de novo aconteceria, nem mesmo o envelhecimento de si mesma. Nada seria notado.

Acordou sem ter dormido. O frio da madrugada continuava no quarto, o vento da manhã não disfarçou o calor do sol que nascia. Andou pelas ruas douradas, viu pessoas lendo jornal, outras andando rápido com o apito do trem que partia da estação.

Esquentou. O céu de verão se fez azul como no outono, encobriu-se de ventos frescos e fez as nuvens se moverem rápidas; não era um verão comum, era um verão outono.

Almoçou sem nada ver em seu prato. A tristeza que lhe abatia era maior. Viveria na tristeza se assim fosse seu martírio. Estava sempre triste. Era sempre assim.

Esperou um pouco na cadeira. Aquele vento a convidava pensar na esperança. Em alguma esperança. Sempre havia esperanças dentro de si.

Deitou no chão do quintal de casa. O piso estava morno. Olhou para o céu azul. Definitivamente, era um céu de outono. Nenhum outro céu podia-se ver um azul tão escuro e límpido. Ela poderia sentir ter visto o arco da Terra naquele céu. O redondo do planeta no horizonte em que seu olhar atingia.

As nuvens iam e vinham, derretiam. Um dragão! Um elefante envolto a labaredas de fogo, um cão tristonho com uma grande cauda, um ratinho fantasiado, uma carruagem. Via seu mundo no céu. Não um mundo qualquer, mas aquele mundo em que qualquer tristeza poderia ser justificada. Não era a tristeza do mundo em que estava. Era o maior sentimento.

Andou pela casa. O sol sumiu, a neblina baixou. O outono já era inverno. Enrolou-se nas cobertas. Olhou-se no reflexo do vidro da janela. Triste. Esse era seu fim.

Comeu a janta. Batatas mal cozidas. Não se acostumou à luz artificial. Sentou-se. Olhou pela fresta da janela a fina chuva que caía lentamente. Tristeza. Era assim que terminava.

13 de janeiro de 2012

Um avô

Parecia ser uma crônica viva. O jeito teatral de falar, as expressões exageradas e o largo modo de caminhar.
Naquele dia, sentou-se na beirada da cadeira da varanda, apoiou os cotovelos sobre os joelhos e, contemplando os sapatos sem cadarço, pôs-se a pensar em alguma parte de seu longo dia. O fim da tarde estava claro, o sol havia se escondido nas pesadas nuvens brancas que enchiam o céu.
Entrei bruscamente naquela varanda quebrando qualquer silêncio que por lá vagava. O velho ergueu a cabeça endireitando a coluna. Havia o mesmo cansaço de sempre em suas feições, os olhos castanhos aguados pela idade, a boca amuada entreaberta como numa palavra engolida, a careca pontilhada de pequenas manchas e um sorriso que fazia covas em suas bochechas com uma rala barba grisalha.

- Não fez a barba hoje é? – empertiguei-me a perguntar.
O velho não respondeu imediatamente, preferiu sorrir mais abertamente revelando uma caricatura ainda mais simples que beirava o infantil.

- Você gosta assim? – ele perguntou como se minha opinião fosse decidir sobre a sua futura barba.

- Gosto. Sempre gostei de barba.
Ele continuou a sorrir calado, olhou para os lados mal contendo em si de alegria, dizendo por fim:

- Vou deixar ela então!

Disse isso decidindo-se como se fosse um voto eterno, uma promessa da mais alta valia. A semana passou sem que ele parasse de contemplar o céu sem forma, perdendo-se em pensamentos impenetráveis enquanto acariciava a sua nova barba.