24 de dezembro de 2010

Então, um bom Natal

A maioria das coisas não duram no tempo, são perecíveis e passageiras. Às vezes, são passageiras demais. Como numa foto que registra o segundo parado no tempo, assim somos moldados conforme os dias, os meses e os anos que passam. Quando o sorriso é estancado ou uma lágrima é eternamente mantida molhada; seja um cabelo levado pelo vento, uma cor do céu, a chuva que atrapalhava a lente da câmera fotográfica, ou uma pose britanicamente feita para o registro da alegria familiar. O cotidiano e o extraordinário, o triste e alegre, o profundo ou o superficial; todos esses segundos petrificados em nossos olhos e em nossa memória.


É difícil passarmos uma data tão celebrada como o Natal, sem que não nos lembremos do Natal passado, da roupa que vestimos, da quantidade de sorrisos e, por ora, lágrimas que derramamos nos minutos; um sapato, um prato, um tempero, um embrulho, um presente, um grito de alegria ou de morte.

E usar frases de efeito como “mais um Natal chegou, e o quê você fez?” ou “Vamos fazer juntos?”, seja de algum modo retórico e repetitivo; entretanto, paramos e prestigiamos a repetição em todos os fins de calendário, repetimos os abraços e os beijos, os agradecimentos e a embriaguez. Somos a eterna repetição de diferenças contrárias e certas, simples e complexas.


E para que dizer tudo isso? Só para deixar registrado mais uma repetição, mais um segundo estancado na memória e em nossas vivencias pessoais e coletivas. Para que celebrar? Não sei, mas é uma forma de encontrar refúgio e silêncio de todas as nossas atitudes, num repente musical de forma quieta e estrondosa, ao mesmo tempo.

E dizer que o mundo é injusto, não sei. Será mesmo? É duro aguentar lamúrias e solidariedade sob a máscara vermelha do papai Noel ou mesmo de um salvador. Ouvi de muitas pessoas de diferentes idades, ideologias e profissões que esse ano foi um ano difícil e conturbado. Concordo, nem o tempo nos deixou para trás nesse quesito. Vivemos sob o inverno dourado do verão e o outono florido da primavera em quatro tempos de um mesmo dia; sofremos com a Copa e com as eleições, com as mudanças repentinas de situação e de humor. É generalizante, mas não deixa de ser mais uma repetição de tudo de antes, de todos os anos passados, de toda a estática posada para o fotógrafo ali na nossa frente.


Acho que esse fotógrafo pode ser nós mesmos ou outra pessoa desconhecida. Seja um cd esquecido na gaveta ou um livro amarelado na estante, um filme visto por muitas vezes, uma mesma melodia cantarolada inúmeras vezes pelo inconsciente; seja as mesmas exclamações ditas numa briga ou as palavras não escutadas de um conselho, os brindes por coisas pequenas e as grandes comemorações assistidas pelos familiares; seja a solidão fria das ruas ou o leito incômodo dos hospitais, a cruz das igrejas e as mãos cruzadas dos tiranos; as cartas e os e-mails; as quebras e as uniões, as despedidas e os encontros; a folha que cai e a flor que nasce, o revólver que dispara uma vida ou uma vida que é disparada por uma arma; as doenças e as curas, de todas as ligações e inquietações, festas e aborrecimentos, azulejos e espelhos, gravatas e saias, canetas e pontos finais.


De tudo isso só resta uma coisa: a repetição aguda e crônica de uma doença sem cura e que, por muito improviso, evolui por espaços nulos e vazios, por segundos essencialmente diferentes, do clic final e inicial que trás vida a uma fotografia movimentada.

Então, um bom Natal.