Tudo emudeceu. Tudo se silenciou. O calor já não era
bastante para refletir-se no asfalto e pulsar nos ânimos dos que por ali
passavam. Há uma estátua suja à frente, uma mulher coberta por um manto
amarelado e doentio. Outra mulher cospe no chão o resto de sua tônica recém bebida.
A outra lata repousa no banco. Quieta.
Sobressaltada, ela levanta, contempla o riacho. Gira em círculos,
encosta os punhos nos quadris, olha o céu, abaixa o pescoço. Olhar no
horizonte.
Estátua! A garotinha pergunta o que era a mulher parada à
beira do gramado.
A outra atravessa o meandro da observação entre o estático
e o movimento, escapa do limite da intimidade, foge da visão distante.
“Olha um instantinho as minhas coisas ali?” - Um caderno,
papéis dentro de uma pasta lilás e a outra tônica mergulhada em sol.
Sai sorrindo, desaparece em poucas árvores e retorna. Agradece
a olhadela. Deixa a bolsa, volta para o riacho. Pega a bolsa, passa pela mulher
parada. Nem a olha. Vai embora. Suas coisas já me pertencem. Há um cuspe seco
no chão rodeado de formigas. Estômago doce.
Duas mulheres anônimas. O que será que pensam?
Deve ser dor de estômago. Muita tônica. Esperam por
alguém. Um encontro não planejado ou um filho ausente.
Há manchas de tabaco nos dentes, cabelos pintados, unhas
cintilantes. Cor de amêndoa.
Ela espera por uma sombra e por uma criança. Já posso até
mexer em seus papéis e saber de suas dores físicas que continuam espalhadas
pelo banco. A criança está chegando e um terceiro obrigada atravessa o ar de pássaros.
Nem estômago nem cigarros. A tônica esquentou, a sombra
pousou na estátua e a mulher traz consigo uma criança de fartos seios, vestido
indiano vermelho, cabelos castanhos e um leque azul meio a uma conversa lenta e
plasmada.
E naquele único vermelhar do dia e de um céu quase azul e
quase amarelo, tudo se torna amêndoas. A claridade, o cheiro, a rugosidade do
chão e a lentidão do vento. O dourado que se esconde na pintura rachada da
parede e do alto dos coqueiros. Amêndoas e cigarro.
A criança de dimensões gigantes recusa a bebida quente e
borbulhante, a garotinha curiosa bate o tamanco enquanto corre dos pais e a
conversa entremeada pelos papéis e prontuários médicos e de ressonância magnética
é abafada por risadas irônicas, injeções, remédios, procedimentos e domingos.
Tudo se resolveria com dores de estômago e um pouco mais
de tabaco nos dentes, mas a mulher amarelada continuaria parada em sua postura etérea
e juvenil. Permaneceria lá com seu manto sujo e sua doença amarelada esperando
a garotinha curiosa que não sabe como chegar ao lugar marcado para o encontro.