27 de maio de 2012

Juventudes*




Nós não queremos mais do que podemos,
Não queremos velhos discursos,
Nem chantagens arcaicas.
Não fazemos mais do que seja nosso,
Não palpitamos em vão,
Nem cruzamos os braços à contemplação.

Invadimos as ruas,
Os cinemas,
As praças,
Os transportes.

Pintamos cartazes,
Fazemos poesia,
Rap, dança,
Grafitamos nosso próprio
Muro.

Ocupamos o abandonado,
Revitalizamos o destruído,
Valoramos o desperdício,
Plantamos no prejuízo.

Somos do contra,
Encontra,
Em cena.

Somos o todo,
No palco,
Sem idade,
No cotidiano dos dias.

Não esperamos pela flor comprada,
Nem pela voz doada.
Fazemos.
Dizemos.
Ocupamos.
Somos.

Somos a anedota
e a
Lágrima,
A cidade
e a
Pessoa.

Circuito ininterrupto,
Constante,
Destoante,
Diverso,
Reprodutor
De novas
Reconquistas.

NathalyaG – 05/05/2012 – 15:59


*Publicado, também, em Jovens Urbanos:  http://blog.pucsp.br/jovensurbanos/



25 de maio de 2012

Sertão


Somos um sertão.
Isto aqui é um sertão!
Um deserto de viadutos em aço espelhado,
de ruas sem fluxo nenhum,
carros e rostos em diversidade,
a mais pura diversão.


Somos o sertão.
Isto aqui é o que somos!
Uma viagem de reflexos em poças de chuva
dos temporais mentais que rolam pela calçada,
com pingos de excremento,
Tubos, acordes, corações.


É um sertão.
Isto é aquilo que vive em mim!
Um andar cambaleado,
baleado da bala do outro,
capaz de cantar e dançar
como uma estátua movediça.


Somos um sertão.
Isto aqui é um sertão!
Um deserto.
Deserto de mares brancos
e pretos,
uma Aquarela cinzenta.


Somos um deserto.
O deserto
que como o sol em lâmina oblíqua
reparte o pensamento em praia e areia.


Somos um deserto de pássaros coloridos,
pernas transparentes,
cadarços desabrigados;
possuímos a comida tirada das latas dos cachorros,
roída pelos ratos,
vomitadas pela inconsciência da noite que não dorme.


Somos o sertão.
Um deserto de desajuizados
reformados em formas de cera líquida
escorrendo nos gritos das vigas,
Vidas,
em silêncio.


Somos o sertão.
Um deserto de flores e sóis,
calar cálidos e acalentados nas nuvens,
um Pássaro-Mulher,
um Homem-Anil.


Somos o deserto.
O sertão.
Aquele ser, em ser, ser-se em
C    â    m    e    r    a            l    e    n    t    a    .





NathalyaG – 24/05/2012 – 15:04

23 de maio de 2012

Luz

Queimou a luz do banheiro
Fiquei no escuro tentando enxergar
O lábio ressecado
e uma veia saltada em meu olho esquerdo.

Queimei a luz do banheiro
Talvez eu pensasse demais
no instante em que toquei o interruptor
Talvez eu, apenas, nem soubesse o que era aquilo.

Fiquei no escuro
meio abobada
meio cambaleante.

Tentando ver-me na penumbra
eu só percebi o quanto daquela sombra
era-me demasiado próprio
Era-nos o embalo de entendimento
que ficou como uma Luz.


NathalyaG - 23/05/2012 - 00:27

19 de maio de 2012

Festa no céu


Do céu azul de fim de tarde
fez-se o rubro rosa;
faixa longa e tempestuosa
de vermelho pedaço de nuvem.


Era dia de festa
para quem fosse;
em Itaquera, Pinheiros,
Brás ou Mooca.


Pilhavam-se de alegrias,
as pessoas sabáticas;
tranquilas,
resfriadas.


Era dia de festa,
no cortiço e na favela,
no beco e na rua sem saída.


Sem saída ficou o moleque,
que correu demais;
com peito cheio,
cheio da cor do céu.


Coloriu o horizonte do menino;
era dia de festa para aquele outro,
que tirou, atirou,
retirou.


Da cor da nuvem que se fundiu,
fuzil o azul claro,
na noite clara de Santa Clara.


Findou-se ao ver o céu
levando embora toda sua cor
rosada,
manchada;
de rubro
ensanguentar.



NathalyaG  - 19/05/2012 – 22:09

17 de maio de 2012

Nuvens e Céus


Mas era um pontinho preto de asas abertas em contraste à lisa abobada do céu. Um pequeno ponto que movia-se veloz.

Mais abaixo, homens e mulheres gritavam em esporádicos momentos de fúria e festa. Era assim que se dava no mundo de edifícios e concreto, semáforos e normas de trânsito, sirenes e conflitos, bancos e empresários. Aqui mais abaixo, são os diversos pontinhos humanos que se movem em ruas e avenidas esburacadas e cansadas. Até as avenidas se cansam. Cansamo-nos em demasia esburacada.

Nesse mundo alguns poucos se revolucionam, giram em torno de suas existências, atam fogo numa clama simbólica aos demais. Outros tantos milhões são cifras moldadas em discursos prontos, enformados, calculados, retorquidos, curvados num cajado enferrujado. Qualquer palavrão de ruptura se torna a heresia a ser queimada no inferno dos “Justos”.

Mais abaixo ainda,nos subúrbios de ouro e terra, temos um montante de carniça enjaulada em cofres e mais cofres, jaulas de ferro e liquidez, o capital que escoa cavernosamente pelo ralo do mais poderoso, do mais bem apessoado, daquele amigo do amigo, do parente contente que assobia dando um saudoso bom dia a secretária da periferia.

Nos túmulos do silêncio dos escritórios lacrados de bom prazer e bom ser pessoal, vemos o liquido pecaminoso de toda uma história de corrupções, devastações, amolações. Pavores e gritos que fiquem para o lado de fora, fiquem nas ruas que devem ser esvaziadas pelo fluxo constante. Fique a periférica de fora. Fique a olhar de longe o centro, o poder, a torre de vigilância da qual não se pode tocar, cheirar, sentir, contestar.

Que fique toda a massa circulante andando de um lado a outro sem nunca chegar num canto de alegria, que a paz e o descanso sejam, apenas, um destino a se chegar, mas que nunca se chega.

Aqui embaixo, nem Deus gostaria de estar. Aqui Deus seria devastado e expulso. Não teria lugar para Ele. Deus não poderia pegar em machados e pedras, não poderia causar destruição nem caos. Deus seria um convidado a ver de longe o que se passa. E bem de longe.

Fique Deus naquela abobada tranquila e celeste, fique quieto e na paz de deus que nunca se vê por aqui.

Fique a ouvir os tiros e protestos, a massa que se move junta e que se solidifica no movimento da reivindicatória. Nós, as pessoas, aqueles pontinhos humanos, que mais de uma vez gritam e cantam, fazem festa a desgraça, fazem música os grilhões, fazem morte e dor a vontade de liberdade.

Que Deus possa ser testemunha de um mundo que nunca irá decair, nunca se pronunciará o fim do mundo nem o apocalipse. Fique na paz celestial enquanto nós damos conta da baderna, promovemos um motim, pintamos cartazes de ocupação e de revolta.

Nós ficaremos em paz enquanto a voz não for silenciada, enquanto os passos, mesmo que presos, puderem se rastejar naquele concreto áspero de desigualdades, enquanto a democracia incrustada de jóias caras dos grandes proprietários e governadores epiléticos estiver na alcunha de todos os povos, enquanto a encruzilhada da macumba pagã da luta de infiéis e traidores ainda for a voz mais alta de todas. Encontraremos paz.

Preferimos a lama, o pântano, a tempestade, as pragas e doenças. Preferimos a desordem e a inquietude, o errado ao certo, o escândalo ao silêncio. Preferimos o oposto que nos levará ao posto de sermos o que deveríamos de ser. Humano político, social e cultural. Humanos como humanos devem ser. Humanos como seres em liberdade, seres de alegria e vontade, seres de boca e olhos, ouvidos e tatos.

Seres humanos. Milhões de pontinhos. Milhões de céus. Milhões de Deuses.

Somos os Deuses de todos nós, somos os Deuses que podemos o que quisermos, somos os Deuses que se tivermos forças fazemos. Somos Deuses num céu cheio de nuvens.

As nuvens que podem parecer sólidas e estáticas, mas são feitas de água e liquidez, como o concreto e os edifícios. Líquido. Passageiros, se assim o quisermos.

Deixe que façamos as nuvens chover.

Enquanto ainda formos Deuses e céus, água e desordem teremos a força e a vontade de sermos milhões de pontinhos com asas a voar num céu celeste e azul.

Pontinhos de pássaros-Humanos, nuvens-chuva, Deuses-liberdade.





NathalyaG – 17/05/2012 – 12:03

5 de maio de 2012

Condenados*


Não dei descarga ao sair do banheiro,
Não abotoei o último botão da camisa,
Não comi de boca fechada,
Não falei baixo.


Eu gritei.


Não deixei de fumar o cigarro quando vi a placa de proibido,
Não suspendi o último gole de cerveja,
Não rejeitei o sexo da noite sem fim,
Não parei de andar pelas ruas de madrugada.


Eu fui.


Abri a janela,
Andei todas as avenidas,
Escrevi todas as poesias,
Rasguei minhas roupas.


Fiquei nua.


Li os segredos,
Contei os interditos,
Tatuei meu corpo com o crime,
Enchi-me da “monstruosidade” revolucionária.

Enxerguei a saída.


Fiz fogo dos meus cabelos,
Congelei os temores na parede,
Derreti meus grilhões,
Fiz o vento lavar as lágrimas.


Eu gritei.


Eu grito.


Grito na praça,
Na rua,
No banheiro,
No céu,
No Inferno!


Eu grito com a marca de fogo em meus
Calcanhares,
Punhos,
Pescoço.


Grito as prisões,
Interiores,
De esgoto,
De almas,
De infelizes felizes.

Grito o vento que levou meu pranto,
Fez monumento indestrutível,
Fez edifício a coragem,
O cenho forte,
A mente liberta.


Eu grito.


Os temores nas paredes da cidade,
A violência em perspectiva
Pelos transeuntes,
Pelas leis,
Nos olhos,
Nas palavras.


Eu grito.


O silêncio,
Do silêncio,
Pelo silêncio.


O calar
Dos bancos,
Dos gabinetes,
Das universidades,
Da polícia,
Dos shoppings,
Das pessoas.


Eu grito
e
Grito.


Gritarei constantemente
Até que a rouquidão de minha voz
Crie um
Calo
Feito a árvore de novas avenidas
E edifícios,
De paredes e casas,
De flores e amores.


Eu grito.
Gritem todos.
Gritai-vos.
O grito
Dos condenados.




NathalyaG – 04/05/2012 – 19:55


*Publicado, também, em Jornal e Revista Página em Branco. Disponível em: