27 de fevereiro de 2015

Fechadura

as luzes do bondinho
pararam para me espiar
enquanto a noite
se fazia de oceano



de dia, vi um avião decolar
e soube ter saudades
do ontem
que guardei no criado mudo



perdi, também, um assobio no ar
e compreendi que, em tempos
de ausências,
as luzes continuam a espreita.





Natalia Iorio

Rio, fevereiro de 2015.

25 de janeiro de 2015

Ladrilhos

Levantou o copo,
feito um pedido aos céus
como num sorriso


pediu na esquina,
na igreja,
fingiu pedir ...


mas teve sua resposta


daquele copo entregue ao ar,
ele soube
ser seu amor,
Escuro e Inconcluso,
que o esperava
A meia lua de ontem.





Natalia Iorio

Rio, janeiro de 2015

3 de outubro de 2014

Delonga de inverno

As luzes se apagam,
Os postes ainda guardam
O laranja em suas
Lâmpadas.


A palavra para,
Repentina,
No susto.



escuro.



A democracia dorme
Na boca do sapo costurada
E visita, em sonhos,
Os velhos filósofos.



apagar.



Minha retina queima
Com o gás da polícia,
Minha voz é sufocada
No saco plástico
E meu medo vira espelho
Do meu próprio assombro.


Morreu o príncipe
E sua República.


Sobrevive a luz da
Rua,
Reticente,
Imutável,
Feito pessoa
Em devir.


Sobrevive a palavra
E a mente.
Sobrevive essa escuridão
E o presente.


o logo depois
é feito,
finalmente.





Natalia Iorio

Niterói, julho de 2014.

25 de setembro de 2014

Manguinhos

O trem zumbiu ao esconderijo do sol,
em seu barulho sinistro,
que saía de suas veias na Central do Brasil



Passou a locomotiva gingando sob a favela,
passou gente em cima de gente,
correu sonho feito eletricidade nua
em cima de mães sem seus filhos



Passou a bala de fuzil,
e um avião no céu azul,
passou um sábado e dois domingos,
escorregou feito chuva os pensamentos do garoto
que vê segredo nas vielas



passou aquele trem
e o que ele viu
foi segredo,
foi suspeito,
foragido



Foram olhos furados,
olhos sem luz,
foi a queixa em enxergar.




Natalia Iorio

Rio, setembro de 2014

12 de setembro de 2014

Rua Uruguaiana

Havia uma ansiedade
pela espera de uma notícia
e uma saudade antiga
por um verão que se visse
pelas paredes
da cidade.



O cigarro queimava,
dentre os dedos de 25 anos
e olhos concentrados
viam pela janela
o começo dos telhados.



Não se soube da notícia
enquanto o cigarro acabava
e a sombra das cinco da tarde
escurecia a morada
daqueles olhos.



Para tanto,
havia um verão
em cada uma daquelas
esquinas ansiosas.




Natalia Iorio

Rio, setembro de 2014.

8 de agosto de 2014

paz


é saber



olhar arestas dos prédios
fincadas




no céu







Natalia Iorio
Rio, agosto de 2014



29 de julho de 2014

Notícia repentina



diante de tanta pressão,
ostentação e
prisão


nada me resta
a não ser
um rascunho de trovoada,
um pergaminho
de racionalidade,
um inquérito
de emancipação.


diante de tamanha
incoerência,
risca-se o fósforo
da violência,
caminha lento
o tanque de guerra
e


nada me resta
que uma caneta
de palavrórios,
um tinteiro de azul céu
ou pincel
para esmaltar teto
de favela.


diante dos tiros,
gases e bombas
varrendo em meses,
de discursos
sonolentos,
de antemão,
vagabundos
dos que nada sabem


nada me resta
que um rabiscar sem fim
pendido em anzol
de pescador


nada me resta
que o pavio curto
e
o iluminar
do toco de vela
para enxergar,
como os versos,
na escuridão.




Natalia Iorio

Rio, julho de 2014.

20 de julho de 2014

Minha Calunga




Salve Maria Padilha do Cabaré!




Essas ruas são todas minhas
A noite é vestida em mim feito lua
Ninguém me diz onde ir
Ninguém diz o que fazer


“Boa noite moço”
Não importa se é mendigo
Ou rapaz bonito


As ladeiras
Esquinas
Igrejas e
Vielas
São todas dela


Ninguém a toca
E a todos ela conhece


Dorme de olho aberto
Sorri na encruzilhada
Faz gato morder o rabo


Formosa mulher
Mulher?
Gira, gira menina
Rainha.




Natalia Iorio

Rio, julho de 2014

11 de julho de 2014

Afrodite encontra-se com Eros


e depositas em minhas
pequenas e cálidas mãos
uma dança
como a pétala de um
Lírio


estas minhas mãos
trespassadas por arestas
donde suam meus
ar(Dores)


mas, acalma-te!
delas, ainda,
não escorre
Sangue.



Natalia Iorio

Rio, julho de 2014.

2 de julho de 2014

Cativeiro


                                                                                   Para Alan F. Paes e Alessandra Borges




Os pés tocaram o chão frio
feito uma porcelana morta,
próprios pés gélidos
de coisa morta.


Nossos lábios tocaram
o assobio de um clarinete,
uma dança orquestrada
num réquiem.


Meu corpo misturou-se
ao azulejo do banheiro
e o seu beijo escorreu
pelo ralo do jardim.


Nossos pés tocaram
o chão em túmulo,
o escuro devorou a réstia
de luz do entardecer.


A longa esperança quebrada
e o desejo de uma vida sanguínea
caída, feita anjo,
no nada.





Natalia Iorio

São Paulo, julho de 2014.