21 de abril de 2012

Anônimos


- Eu li seu último poema...
- E o que achou?
- Fiquei sem ar. Ainda estou sem ar...
- Você não vive sem ar morando nessa cidade? Eu sempre estou sem ar...
- Eu esqueço que fico sem ar, esqueço que tenho que respirar aqui.
- Pois deveria tentar não respirar todos os dias.


Os dois se olharam. A noite não tinha garoa nem céu estrelado. Só a corrosão de nuvens laranja. A lâmpada de um dos cômodos estava queimada, as sombras faziam com que os olhos parecessem mais caídos, tristes, arrependidos.


- É culpa sabe? Eu me sinto culpado, mas não sei bem o motivo. Sei que não deveria me sentir culpado.
- Eu queria mesmo te culpar. Mas, não. Você não tem culpa.


A claridade deveria ser demais. Lágrimas secas deveriam se pronunciar naqueles olhos, naqueles cílios grandes. Não poderia chorar, mas seria difícil controlar.


- Às vezes eu penso em morrer. Olho os conhecidos e não me reconheço. Eu penso mesmo. Penso sempre.
- Dá para perceber isso.
- O que? Que quero morrer ou que penso?
- Os dois.
- Hum...


Tinha de haver silêncio entre os dois. Deveria de ter uma ausência assim como eles. Não havia. Muitas vozes e passos. Muita gente indo e vindo no meio de seus corpos.


- E é necessário?
- Sim. Claro que é.
- Eu não acho que seja.
- Calma. Do que estamos falando?
- Da sua vontade de querer morrer. Acho que você não precisaria querer morrer agora.
- Pensei que estivéssemos falando se precisaríamos ter essa conversa.
- Precisamos né.
- É meio óbvio.


Precisava de som. Uma música. Algo alegre. Um sorriso, um abraço de um amigo que chega, uma novidade. Precisava. Ninguém passou. Restou o silêncio bendito de antes.

Não haveria nem o celular, alguém ligando no meio da conversa óbvia. Ninguém chegaria para salvar aquilo que restava.

Iria se dissipar no céu cheio de nuvens, formar a garoa do dia seguinte, o concreto úmido. Tudo secaria. Dissiparia.

Era melhor respirar. 

Pensar que respirava.


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