27 de outubro de 2011

Sem previsão

São oito e meia da manhã de um domingo de chuva. Essa chuva que permanece há dois dias; de forma, que o asfalto, os telhados e os nossos corpos não puderam se secar ainda. Depois de quase vinte e quatro horas acordada e com o álcool ainda fluindo em meu corpo, decido não entrar em casa e, munida de uma caderneta, um lápis com desenhos de fantasmas, uma boina e uma vizinhança muito tranquila e remota, decido por escrever essas frases soltas, se não umas notas, sem previsão de serem compreendidas.


Resolvo, então, por me sentar no ponto de ônibus e escrever sobre o que vejo (e se vejo). A chuva não é tão intensa e meus braços podem se acomodar melhor. Há um vômito perto de onde estou escorrendo pelo buraco da calçada, assim como folhas mortas, sacos de salgadinhos vazios deliberadamente jogados no chão e buzinas solitárias das quais não estão acostumadas com a minha presença ali.


É a primeira vez que me sinto pertencente ao meu bairro, à minha rua, ao ponto de ônibus descascado que possui uma goteira no teto e que a chuva teima em gotejar sobre meu joelho. Estou só nesse lugar, mas ouço a televisão da padaria, as pessoas conversando enquanto tomam um café mal passado, os roncos dos carros e caminhões que acordam nas esquinas próximas.


O que me leva a escrever (novamente a mesma pergunta das linhas anteriores)? Talvez a embriaguez que se esvai ou o total anonimato do momento. Acredito mais, ser o total desprendimento do instante; a não obrigação de chegar em casa num horário marcado ou a falta de cronologia do tempo pela ausência das sombras do sol.


Mas a verdade é que quando desci do ônibus deparei-me com uma briga entre cães. Aquelas brigas antropofágicas (para usar um termo recorrente na semana) dos quais, um quer “traçar” o outro e o mais bonito deles quer uma briga desnecessária. Por conhecer três dos cães que ali estavam (por serem os cães que moram exatamente naquele ponto de ônibus de outrora e, que não causam tumulto a ninguém), pus-me como defensora alcoólica deles. Expulsei o briguento com resmungos e frases em inglês enquanto o garanhão continuava em sua investida reprodutiva gay. Expulsei o briguento, sabendo que o dono estava na padaria com seu café mal passado; gritei e insultei o cão, com o proposito de amargar mais ainda o café do mesmo. Parei o trânsito de dois carros com esse entrave e a chuva se prolongou, fazendo aquele mesmo asfalto mais sedoso e a paisagem mais sedutora.


O motorista do ônibus (que há meia hora me deixava no mesmo lugar que me encontro agora) certamente deve ter achado algo de errado em tal cena. A chuva ou o chuvisco (como queiram) é tão denso que uma névoa branca se forma, fazendo sumir a briga dos cães, a minha boina revolucionária dos animais e minha escrita a lápis numa caderneta minúscula.


NathalyaG, Ribeirão Pires – SP, 22 outubro de 2011, 09:18

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