19 de dezembro de 2011

Exame de sangue

O silêncio já era próprio para isso. Escrever. O tal silêncio que repousava nos livros, no surdo falar dos que passeavam pela calçada, no rodopiar do relógio na parede. Era uma luz enviesada que formava sombras desconexas no chão e dizia-me sobre digressões.

Peripécias de quem tem algo a dizer mesmo que num grito mudo, daqueles socados pela garganta abaixo tendo os dentes esparramos em profundo ódio. Digressões de melodias ininterruptas.


O sol alto que deixava no chão o rastro do calor do verão, silhuetas verdes que farfalhavam em tons humanóides, a voz do microfone que me chamou pelo autofalante após um longo momento em que declinava meus pensamentos em tinta e papel.

E mais que nunca, havia chegado minha hora. A moça simpática de avental branco rodopiava na saleta me dando as boas vindas. Sentei-me olhando os cantos das paredes sem nada perceber, palavras soltas corriam pelo soalho. Duas luvas, as mãos tranquilamente protegidas. Era descartável o material, ela me dizia; suspendi, então, meu braço em um apoio, a fita colorida prendeu meu membro num forte laço, uma veia latejou loucamente do lado esquerdo. Etiquetas coladas nos tubos de vidro e tudo correu, daqui para frente, num misto de velocidade descontinuada; uma cortina de luzes e ritmos que encenavam um terror de criança.

Estava posicionada. O álcool que gelava a minha pele, o dedo roçando na veia pontuda e esverdeada. O canto cinza da parede, o chão retangular, o sapato branco muito descascado da moça sem relógio no punho, minha bolsa amarrotada em minhas pernas fortemente cruzadas, carros que tamborilavam o asfalto juntando conversar próximas, a luz natural ganhando da luminosidade fracamente projetada pela lâmpada do teto. Encerrara seu destino no silêncio da melodia, na suspensão da minha respiração.


E tudo era normal novamente. A estante com a luz enviesada, os ponteiros das horas, a luz que caminhava na vizinhança.

Digressões tardias, essas, que me acometem de repente.



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