16 de julho de 2010

Nesses dias de chuva ...

Chovia há três dias. Uma chuva fina e intermitente que não abandonava nunca a cidade nebulosa e cinzenta. Exceto pelas pessoas que trabalhavam e eram obrigadas a levantar cedo de suas camas quentes, o restante não se aventurava a colocar seus narizes para fora de suas portas.
Dona Paula e Seu José moravam numa casa delicada e aconchegante. Já beiravam seus setenta anos quando o descompasso da vida matrimonial dos dois fora solapada como um vento que ruge forte em dias frios. O dilema de seus cotidianos eram recheados de brigas e ofensas gratuitas.
Enquanto Seu José assistia televisão, Paulinha (como ele a chamava) tratava de deixar a casa arrumada, a louça lavada e a roupa passada. Frequentemente rompiam nos cômodos os gritos italianos de José:


- Paulinha! Vê um cafezinho para mim sim?!
- Ô mulherzinha, vê meu almoço!
- Arruma a cama! Ta muito frio, quero dormir já.
- Cadê minha toalha? Acabou o sabonete! Pega para mim, tô todo molhado.
- Amorzinho? Não tem aquele bolo que você fez hoje à tarde não?


Paulinha obedecia e realizava todos os pedidos de seu marido. A série de diálogos se repetia todos os dias com mais carinho ou mais rispidez, dependia dos ânimos da casa.


Os meses se passaram, o frio voltou depois de um verão abafado e caudaloso. O humor residencial havia piorado um pouco em relação ao ano anterior. Seu José não ligava mais para seus afazeres miúdos de carpintaria pela casa, não pintava mais a fachada de sua varanda, nem ao menos, consertava pequenos defeitos das paredes. Paulinha afastava-se cada vez mais de seu esposo, pouco se importava com suas reclamações. Os dois se distanciavam um do outro, salvo alguns dias de sol que amenizavam a anomia em que se encontravam.


José continuava vendo seus filmes de guerra e de comédia, Paulinha nos afazeres de casa, demorava mais do que o tempo comum para realizá-las. As horas passavam lentas e sôfregas na vida de cada um. Um tinha perdido a vontade de viver, andava a deriva do desânimo e resmungava sozinho, palavras incompreendidas; a outra pensava em silêncio, franzia a testa de raiva e por vezes, se lamentava tristemente pelos cantos de seu jardim.


A vida matrimonial se transformara, corriqueiramente, em uma vida de cada um. Isolados dentro de um mesmo ambiente, eles andavam em círculos a procura de uma razão para as coisas. Não encontrava nenhuma resposta para seus anseios, nem em seus pensamentos, nem nas conversas com os vizinhos e nem nos olhos um do outro.


Esses dias de chuva parecem se arrastar por um ano no sentimento das pessoas, parecem levar para elas o desânimo e a falta de viver. Nesses dias de chuva e de neblina, a cidade parece tomar ares de vilã e, também, reacende sua beleza encardida e úmida, de luzes alaranjadas sorvidas pelas nuvens baixas, pela garoa que molha aos poucos os casacos pesados dos transeuntes. Nesses tempos de chuva, tudo e nada muda.

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