22 de agosto de 2010

Linha 51: Santo Bertoldo

O tempo estava ameno naquela cidade pequena e aparentemente pacata, que em outros termos, significava que era um lugar bom e ruim para se viver. Uma cidade descomedida pela industrialização falida e pelo capitalismo voraz do desprendimento. O ônibus da vila baixa da cidade estava cheio. Era meio dia de um dia de setembro. A população contida no transporte se resumia a estudantes de ensino médio e idosos. O motorista ouvia o último lançamento musical de uma dupla sertaneja e acompanhava a letra com alguns grunhidos desafinados.


As pessoas conversavam, mas um tom de voz era mais enaltecedor do que os outros:
- Você viu o que o Chaveirinho vai fazer aqui se for eleito como deputado?
- Não vi não Dona Clementina.
- Ele vai fazer um espaço para jogos da terceira idade: um lugar para o dominó, outro para o truco e outros lá, tem gente que gosta de sinuca né?
- Ah! Eu gosto bastante viu!
- Então, mas ele disse que ia fazer isso... É alguma coisa para a gente que já é velho né, deve ficar bacana...


Dona Clementina e Seu Fabrício se empolgavam com as notícias políticas e analisavam as promessas como algo de bom para a vida deles. A cidade promovia muitos encontros e festas para a terceira idade e faltava algum evento organizado para os jogos. Vários aposentados findavam tardes jogando truco e dominó nas praças da cidade sem nenhum apoio do prefeito ou de algum vereador.


Os dois continuaram a conversa:
- Acabei de voltar do hospital. Ando com uma dor de cabeça que só vendo viu! Fiquei umas duas horas esperando o médico e ele me atendeu mal ainda. Ninguém mais tem paciência com a gente, nem o que é do nosso direito.
- É... Tenho medo de um dia ter que depender do governo... Sempre um descaso com os velhos.


Um outro senhor que estava sentado próximo aos dois parecia se perturbar com o andar do diálogo. Carregava uma sacola de supermercado em uma das mãos enquanto se segurava com a outra buscando algum equilíbrio no momento em que o ônibus passava por um buraco no asfalto. Abaixava a cabeça nervosamente e esfregava as têmporas suadas e vermelhas:


-Meus senhores? Perdão interromper a conversa de vocês – e sua voz era exaltada neste momento – mas diga-me uma coisa: esse cara aí, o Chaveirinho, além desse lugar para se jogar aí, o que mais ele vai fazer? Vai fazer alguma coisa para a saúde? Ou para diminuir essa buraqueira das ruas?
Dona Clementina, em sua ingenuidade e com um pouco de medo do tom do senhor que bruscamente a interrompera em sua conversa com Seu Fabrício, respondeu francamente:
- Não sei não... Só ouvi ele dizendo sobre os lugares certos para os velhos jogarem...mas já fiquei feliz, pelo menos um deles se preocupou com a gente. O senhor não acha isso não?


O senhor das têmporas vermelhas torceu a boca, levantou-se, olhou para cima, deu sinal para descer no próximo ponto, ajeitou as sacolas de compras nos braços e disse antes de descer:


- É assim que continuamos mesmo, sem entender o que acontece, até com nós mesmos. Aplaudimos uma obra aqui e ali e nos esquecemos dos nossos direitos mais viris. Culpamos os médicos e as ruas cheias de buracos... - o ônibus estava freando e ele meio cansado e desanimado, apenas finalizou – assim continuamos.


O senhor desceu os degraus do ônibus e caminhou com os olhos espremidos pela luz forte do sol que o golpeou. Dona Clementina e Seu Fabrício olhavam para aquela criatura e franziam o cenho em desagrado. Dona Clementina resmungou algumas palavras incompreensíveis e, desarmada de objeções, continuou sua conversa falando sobre a vizinha que a acordava todos os dias tarde da noite com o som alto do carro.




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