8 de agosto de 2010

Nos confins desse Brasil

Estava anoitecendo. Era sexta feira na grande São Paulo. Os carros andavam pouco e paravam muito, num ritmo aborrecedor. Os ônibus e metrôs estavam abarrotados e os pedestres caminhavam apressados. A violência e as multidões faziam parte do cotidiano de cada ser humano naquele lugar. O ar poluído e pesado era o odor da normalidade para aquelas vidas.

A mulher caminhava na calçada da rua de seu escritório. Iria encontrar seu namorado de um mês no próximo quarteirão. Eles se conheceram num restaurante próximo durante seus horários de almoço. Roberto a esperava em seu carro próximo a um ponto de táxi enquanto fumava pacientemente seu cigarro. O dia havia sido calmo. Bruna desviava dos buracos da calçada muito irritada. Seu dia havia sido constrangedor.

Os dois se encontraram com seus receptivos humores. Foram para o apartamento dele. Na cozinha, entre uma taça e outra, a discussão começou. As palavras se tornavam mais enérgicas quando Roberto a derrubou no chão com um golpe em seu rosto. A razão se transfigurava e, entre gritos de desespero de Bruna, e os socos abafados em seu corpo, a vida dela havia se desmanchado em sangue pelo chão frio da cozinha de Roberto.

Após alguns dias, a polícia estava atrás de Roberto, e a mídia rondava seu apartamento e seguia seus passos 24 horas por dia. Logo, os programas de televisão que ocupavam toda a programação vespertina das pessoas, tomavam um maior destaque com análises incrementadas sobre o assassinato, milhares de entrevistas com advogados e delegados eram repetidas incansavelmente várias vezes em um único dia.



Uma semana se passou e Roberto mal podia trabalhar direito, em sua consciência sabia que tinha perdido a cabeça aquela noite e que com a cozinha respingada de sangue, ele dera um jeito de esconder o corpo moribundo de sua namorada. Pegara um saco plástico de lixo, a enrolara no material...


Seu celular tocou e seus pensamentos se foram com o toque estridente que denunciava a chamada de seu advogado:

- Roberto, meu querido! Eu não disse que comigo tudo se resolve? Consegui agendar uma entrevista com você no Fantástico.

- e isso é bom? Você acha que tenho retórica o suficiente para convencer as pessoas?

- claro que tem né. Você é um empresário tão bem sucedido. Vai se sair muito bem.


Conversaram por mais alguns minutos acertando os detalhes da gravação da entrevista. Olhou pela janela de seu escritório e viu alguns repórteres descansando no muro do edifício. Sabia que quando saísse de lá teria que encarar uma multidão de perguntas e gritos de “assassino” pela calçada.



Era meio dia de uma terça feira em Brasília. O sol estava a pino e o calor escaldante refletia no ânimo das pessoas pelas ruas. Alguns senadores discutiam emendas de algumas leis que mal sabiam do que se tratavam. Os papéis apenas recebiam suas assinaturas. Um deputado que estava na sala se aproximou de seu amigo e pediu que ele o encontrasse em seu escritório assim que acabasse de assinar aqueles papéis. O senador cruzou a sala silenciosa e bateu na porta do deputado, um velho amigo seu. Entrou na saleta de decoração moderna.

-Meu querido! Quanto tempo não nos falamos heim?!

-Estava sentindo falta já. Faz uns meses que não aparece por aqui.

-É, pois é. Tive uns imprevistos aí, meu assessor estava em meu lugar. Bom queria saber se você ainda se interessa por alguns dos nossos trambiques?

-Mas como não? A amizade é para sempre não é mesmo?

-Claro que sim! Estou envolvido em um esquema lá da minha cidade, junto com o prefeito de lá. Precisamos de gente de peso nisso. Quer entrar?

-Quanto eu ganho?

- Muito meu caro, muito...


Alguns meses depois, os telejornais noticiavam que a polícia federal estava fazendo uma investigação sobre um esquema de corrupção entre senadores e deputados e o prefeito de Minas Gerais. Num apartamento de Copacabana no Rio de Janeiro, a mulher e seu marido almoçavam. O jornal da cidade estava sobre a mesa. A TV ligada falava sobre o esquema de corrupção.

- Arnaldo, esse jornal aí, não diz nada sobre o caso da Bruna e do Roberto?

- Tem uma notinha só, dizendo que o advogado do Roberto desistiu do caso.

- Mais nada?

-Não, só isso.

-Mas que jornaleco é esse? Eu quero saber se esse assassino vai pra cadeia ou não. Como são as coisas não é mesmo, Arnaldo, um crime horroroso desses e logo é esquecido pelas pessoas, pelas pessoas não, pelos jornalistas. Agora só se fala em Senado. Quem não sabe ainda que todos os dias tem corrupção pelo Brasil? Deviam dar importância a coisas mais interessantes para o povo.

Arnaldo concordou com a sua mulher, cansado de suas reclamações sem fundamento.



Em São Paulo, Roberto estava com novo advogado de frente para o juiz. Após cinco horas de julgamento, havia sido decretada sua prisão.



Seis horas da manhã. Rio de Janeiro. Arnaldo tomava café enquanto lia a manchete do jornal: “Após seis meses, Roberto é condenado a 27 anos de prisão”. Leu rapidamente o caderno de economia e colocou o restante dos cadernos na cama onde sua mulher dormia. Saiu irritado do quarto e se trancou em seu escritório. Era escritor e não entendia como fora se casar com uma mulher tão alienada e ingênua.



Oito da noite, Bahia. Dona Maria cozinhava e gritava com seus três filhos que não paravam de brigar uns com os outros. O feijão estava cozido quando seu marido entrou pela porta, bêbado. Seu Joaquim começou a discutir com a mulher sem razão. O álcool penetrava na desgraça daquela família havia alguns anos. A pobreza se alinhavava pelas paredes da pequena casa. Dona Maria, sabendo da rotina de sua vida, colocou a comida no prato para seu marido e mandou os meninos irem se deitar. Joaquim deu a primeira colherada na comida e urrou reclamando do gosto. A mulher retrucou com medo e logo sentiu a primeira bofetada no seu rosto já machucado. Os meninos estavam deitados no quarto, ouvindo o choro e os gritos de sua mãe enquanto o pai deles a espancava.



Oito da manhã. O sol estava alto na grande São Paulo. O ritmo frenético dos carros prenunciavam o novo dia que estava por vir. Na redação do jornal, os editores decidiam as manchetes de seus respectivos cadernos. A economia crescia pouco a pouco. Um atentado terrorista matara 500 pessoas no Paquistão. A rede de corrupção entre Brasília e Minas não tinha um desfecho ainda. A nova moda de inverno.


A cidade continuava a mesma. O Brasil continuava o mesmo. Nessa vida que tudo é tudo e nada é nada.



Um comentário: