15 de agosto de 2010

O mundo encantado de Carol

Carolina estava terminando o seu quinto livro da série Harry Potter. Tinha 16 anos e era irritantemente perfeccionista. Sua inteligência e dedicação aos estudos era, de certo modo, um incômodo para todos. Seus pais a achavam estranha e, por vezes, a humilhava pelas suas ideologias sobre seu pequenino mundo real. Seu quarto parecia um mundo dos próprios livros de ficção que lia: uma cama arrumada com lençol lilás, as paredes decoradas com desenhos de sua autoria, fotos de seus ídolos e muitos livros. Uma janela iluminava seu modesto aposento, atribuindo-lhe uma claridade enevoada pelo tempo frio e sem sol que jazia lá fora.


Carol tinha um gato e queria ter uma coruja também, assim como Harry. Estava triste aquele dia, brigava muito com sua mãe; e seu pai que era seu porto seguro, por vezes, estava ausente. As brigas conjugais faziam parte de seu silêncio dentro daquele quarto tipicamente infantil.


Sonhava em tocar piano e morar longe de seus parentes. Tinha poucos amigos e os que conseguiam, eram embalados pelas suas conversas intelectuais e absorvidos pela sua carência de humanos. Afugentava os poucos colegas que conseguia pela sua preocupação excessiva e pela falta de assunto supérfluo. Não desgrudava de sua nova amiga Fernanda. As duas tiravam notas boas no colégio e eram quietas demais para o restante do mundo. As duas estavam lendo Harry Potter, só que Carol estava um livro a frente que Fernanda e esta, estava ansiosa pelo seu presente de aniversário que conteria o tal livro.


As duas encaravam o clima nebuloso pela janela de Carol, que continuava triste. Ela contava que já tinha terminado o quinto livro e que chorara muito no fim. Fernanda ficou quieta contemplando os montes que se formavam no horizonte do céu sem nenhum traço de luminosidade. A garoa fina caia nos telhados e a nostalgia embriagava ainda mais seus sentidos.


Carol tinha pintado seus cabelos de vermelho há um ano, num ato de rebeldia contida. Seus cabelos tinham um corte conservador: eram na altura dos ombros e dispunha de uma franja perfeitamente reta. Nunca namorou, nem de mentirinha. Seus óculos redondos e grossos aprofundavam as poucas espinhas que pintavam sua testa branca. Costumava pintas as unhas curtas de preto.


Contemplando a mesma cena que Fernanda presenciava de sua janela, Carol disse:

- Eu fiquei triste com o final do livro, mas já conto os meses para o lançamento do último livro... Dizem que ele morre...

-Ah! Não me conte nada! Ainda não li.

- Não vou contar não. Sabe, eu penso que um dia vou encontrar todos os personagens dos livros que li e de todos aqueles que não li e não lerei nunca.

- Você acha isso mesmo? – perguntou Fernanda com alguma incredulidade sobre os desabafos de sua amiga.

- Acho. Acho sim. Eu acredito mesmo, é que quando morremos encontramos todos eles, seja onde for... No céu talvez, se bem que não acredito no Catolicismo.


Fernanda não sabia o que dizer, preferiu continuar olhando para a paisagem que não se modificara, exceto por algumas nuvens negras que se formavam ao longe.

- Um dia sei que vou encontrar todos eles e acredito muito nisso. – afirmava essas palavras com os olhos e os pensamentos longe daquele lugar frio e triste. Suas mãos apertavam umas as outras e sua boca se comprimia numa raiva e numa oração silenciosa pela realização de seu desejo mágico.


Não disse mais nada pelos dez minutos seguintes. A tarde se findou na mesma lentidão em que começara. Carol esperaria os próximos livros e os próximos personagens que conheceria após sua morte. Ela vivia mais em si mesma do que no mundo em que persistia em ignorar: o seu mundo real. Na mágica das páginas em que lia, ela se embalava numa canção sem fim de sonho e ilusão.

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