1 de agosto de 2010

O "Limiar"

Seus olhos demoraram a se acostumar com a cor inusitada do local onde se encontrava deitada. Quando recobrou os sentidos sentiu a dor que segundos antes de desmaiar presenciou. Ao seu lado havia um homem pacientemente a esperando acordar com um leve sorriso nos lábios. Adriana se levantou e dirigindo-se ao homem de terno cinza escuro perguntou-lhe:


- Desculpe-me, mas o que exatamente aconteceu comigo? Onde estou? Por que minha blusa está suja de sangue?

- Adriana, sei que essa notícia vai ser difícil para os seus sentidos e, também sei que muito provavelmente não a aceitará. Mas você está morta, esse sangue aí na sua blusa foi de um tiro que levou ao ser assaltada quando saía do trabalho.

- Que? Ah você só pode estar brincando! Onde está o purgatório? Os anjos? E Jesus? Cadê?

- Na verdade, você está numa espécie de purgatório que se chama Limiar. É aqui que você será “julgada”. Mas antes de ser julgada, você terá a chance de poder solucionar todas as dúvidas que teve em sua vida e que não puderam ser respondidas ou esclarecidas...

- Quer dizer então que eu morri, num assalto, e agora estou nesse lugar com você e tenho o direito de poder saber sobre todos os meus questionamentos. Ora então vamos lá, a mais óbvia das perguntas: por que eu morri tão cedo? Só tenho 26 anos, ou pelo menos tinha...

- Calma, antes de eu responder essa pergunta, que deverá ser a última de todas, tenho que esclarecer o seguinte: depois de respondidas todas as suas questões você terá um tempo para organizar todas as ideias em sua cabeça e logo em seguida se esquecerá de tudo que ouviu e presenciou nesse lugar, nem ao menos se lembrará de mim ou que esteve aqui.

- Mas que coisa mais insana isso! Se for desse jeito nem adianta saber!


O homem de terno parou um instante e nada disse. Adriana cruzou os braços e se reteve a pensar. Estava irritada e confusa, mal sabia que lugar era aquele e o que significava todo o resto. Começou a pensar em sua família, nos seus amigos, cachorro, trabalho, namorado, sonhos, projetos, desejos que tinham ido embora com o sangue que manchava sua blusa bege...


-Tá legal – disse Adriana – você me responde tudo e depois o que acontece? Como é esse julgamento?

- Responderei a todas as suas perguntas, mas você não será julgada exatamente, irá acontecer exatamente aquilo que acreditava que iria acontecer depois que morresse.

- Tudo bem. Me responda: por que meu cachorro foi atropelado quando eu tinha 8 anos? Por que minha família mudou tanto de cidade? Por que demorei para fazer amigos fixos? Por que meu último namorado me traiu com a vizinha? Por que não consegui a promoção em meu trabalho que tanto queria? E afinal, Deus existe? Ele é você? Existe o inferno? Ou o céu? E as recompensas que os justos mereciam? Onde elas estão? Aqui? E depois disso vem o que? Isso está me angustiando sabia? Todas essas perguntas só foram acumulando ao longo do tempo e de repente, quando nem ao menos tive tempo de pensar ou de aproveitar mais a minha vida, um revólver tira essa oportunidade de mim? De eu poder viver um pouco mais? Mas que diabos é isto?


O homem a esperava pacientemente com o mesmo sorriso no rosto. A esperou desfiar todos os nós de sua angústia. Quando ela terminou, ele respondeu:



- Adriana, quando disse que iria responder todas as suas perguntas eu não menti, porém não expliquei de que maneira as iria responder, e sei que depois que responder, você vai se irritar em descobrir a verdade, seja ela qual for. As respostas para todas as suas perguntas é uma só: há coisas que simplesmente acontecem por terem que acontecer de uma forma ou de outra. Não posso te dizer se o que aconteceu foi certo ou errado, justo ou injusto, mas se você ainda tem essas perguntas é porque você mesma não as encontrou e se você morreu cedo, me desculpa, o azar foi o seu.

- O que você está me dizendo? Como é que é? Você acha que eu fiz tudo porque eu quis? Você acha que matei meu cachorro atropelado porque queria isso? Você é maluco ou algo assim? Ou eu fiquei louca e vim parar nesse lugar?

- É você quem deve saber das respostas, foi você quem estava vivendo não eu. A resposta para todas as suas respostas é clara: eu não sei porque aconteceu tudo o que aconteceu com você, e nem nunca vou saber, quem tem de saber é você. E sabe eu odeio esse trabalho, odeio ser esse tipinho meio auto ajuda, odeio ... odeio por você estar aqui agora me enchendo!


Adriana olhava inconformada para o homem e insistiu mais uma vez:


- Ok, então por que eu morri? Essa você pode me responder? Já que eu morri e aparentemente vim parar nesse lugar...

- Sim essa eu posso com toda a certeza te responder.


O homem se aproximou de Adriana e cochichou em seu ouvido por alguns minutos o motivo de sua morte.

Adriana ficou tonta e desmaiou, acordou com seu despertador gritando ferozmente às sete da manhã. Era hora de acordar para ir ao trabalho novamente.




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